Em mercado formatado para o filme norte-americano, produção da América Latina tem pouca vez. Daí a importância do Festival de Cinema Latino-americano de São Paulo, que começa nesta quarta-feira, 26, e traz 102 filmes de 18 países da região. O evento se estende até 2 de agosto e começa hoje com um esperado longa-metragem brasileiro – Corpo Elétrico, de Marcelo Caetano. Conhecido pelo olhar ousado e inventivo sobre a diversidade sexual, Caetano promete uma história sobre jovens trabalhadores de São Paulo, que discute o afeto e homossexualidade, na projeção ao ar livre, às 20h30, no Memorial da América Latina.

O homenageado deste ano será outro brasileiro – o diretor paulista Beto Brant, autor de obras já referenciais no cinema brasileiro como Os Matadores e O Invasor. Desta vez, Brant faz-se representar por dois documentários. Em Zócalo, acompanha a festa do Dia dos Mortos no centro histórico da Cidade do México, tendo como cicerone o artista plástico e diplomata mexicano Felipe Ehrenberg, que morreu este ano. O outro, Ilú Obá de Min – Homenagem a Elza Soares, presta tributo à nossa grande cantora.

Muitos outros trabalhos brasileiros estarão presentes na programação. A título de destaque, pode-se apostar em títulos como No Vazio da Noite, de Cristiano Burlan, Para Ter Onde Ir, de Jorane Castro, e Rifle, de Davi Pretto. Algumas atrações brasileiras terão première mundial ao longo do festival, como Apto 420, de Dellani Lima, Música pelos Poros e Gilberto Mendes e a Música Nova, ambos de Marcelo Machado.

Entre as atrações internacionais algumas são imperdíveis. O Inverno, do argentino Emiliano Torres, é uma obra belíssima, e também muito dura, ambientada na Patagônia. Mostra a vida dos pastores de ovelhas, em trabalho árduo num ambiente tanto belo quanto hostil. Mas é sobre as relações de trabalho precárias que o longa se debruça, sem qualquer cacoete de “obra de denúncia social”.

Quem curte a estranheza no cinema terá razões para se deleitar com Região Selvagem, do mexicano Amat Escalante. Ele já é conhecido aqui por Heli, um filme violento sobre relações amorosas, tendo o narcotráfico como cenário dramático. Em Região Selvagem, Escalante deixa de lado o realismo e dialoga com o fantástico. Num local retirado, um casal de pesquisadores estuda um misterioso monstro, que se nutre da sexualidade alheia. O filme, incômodo e bem realizado, faz alusão aos instintos primitivos que se abrigam em todo ser humano. Traduz, em imagens, essa “região selvagem”, amoral e indomável, que estaria inscrita no cerne de nosso ser.

Refletindo o momento positivo da cinematografia do país vizinho, o Festival programou um “Foco Chile”, com filmes recentes mais significativos. Más Companhias, de Claudia Huaiquimilla, Rei, de Niles Atallah, e Vida em Família, de Cristián Jiménez e Alicia Scherson, são boas apostas. Mas uma delas merece atenção particular: Jesus, de Fernando Guzzoni, não tem nada a ver com questões religiosas. Muito pelo contrário. Jesus é o nome de um adolescente de periferia, que ronda o mundo do crime. Aqui, a estética é de realismo cru.

A programação do Festlatino é vasta e cada espectador terá de garimpar áreas de seu interesse. Nota-se que a curadoria, a cargo de Jurandir Müller e Francisco Cesar Filho, procura expandir o alcance do evento. Um público, até agora desassistido, recebe a seção Latininhos, para crianças. Alguns dos destaques são Castelo Rá-Tim-Bum, de Cao Hamburger, e o desenho animado Cantando de Galo, de Gabriel Alatriste.

Entre as atividades reflexivas, merecem atenção as mesas de debate programadas. Uma delas discutirá Corpo Elétrico, filme de abertura. Outra, a obra do homenageado, Beto Brant. O encontro Cinema, Novos Dispositivos, Imagens e Comportamentos terá presença do antropólogo italiano Massimo Canevacci, figurinha carimbada do mundo acadêmico internacional.

As informações e a programação podem ser obtidas no site www.festlatinosp.com.br e na fanpage do evento no Facebook, facebook.com/festlatinosp.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.