Marcado do princípio ao fim por protestos contra o governo de Michel Temer, o Festival de Brasília termina sob o signo de uma dissonância interna. Enquanto o júri oficial escolhe como vencedor a ficção intimista A Cidade Onde Envelheço, de Marília Rocha, o público, aplaudindo de pé, consagra o engajado documentário Martírio, de Vincent Carelli. Não é raro que júri popular e oficial divirjam. Mas poucas vezes se viu divisão tão aprofundada quanto nesta 49.ª edição do mais antigo festival de cinema do País.

A cerimônia já começou com anticlímax, quando para Martírio foi anunciado o Prêmio Especial do Júri, considerado uma espécie de prêmio de consolação. Jogou o clima da noite no chão.

Após o início frustrante, foram anunciados os prêmios. A Cidade onde Envelheço ficou com quatro troféus Candango – filme, direção (Marília Rocha), atriz (dividido entre Elizabete Francisca e Francisca Manuela) e ator coadjuvante (Wederson Neguinho). O filme é simpático e bem construído do ponto de vista narrativo. Fala das experiências de duas jovens portuguesas que decidem morar em Belo Horizonte e fazem curiosas observações sobre o Brasil. Seu tom, mais feminino que feminista, deve ter tocado fundo um júri composto em sua maioria por mulheres. Ao não premiar Martírio, no entanto, perdeu a chance de entrar em sintonia com o clima de uma edição histórica e politizada do festival.

O expressivo ‘faroeste’ gaúcho Rifle, visão original sobre o conflito pela terra no País, ficou com roteiro e som, além de levar o prêmio da crítica, dado pela Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema).

O supervalorizado O Último Trago ficou com os troféus de atriz coadjuvante (Samya de Lavor), fotografia e montagem. O delicado documentário sobre casais cubanos, Vinte Anos, levou apenas o de trilha sonora, enquanto o intenso Elon Não Acredita na Morte ficou com o troféu de ator (Rômulo Braga). O melhor curta foi a animação Quando os Dias Eram Eternos.

E a entrega de prêmios seguia em batida monótona no Cine Brasília até que foi anunciado o prêmio do Júri Popular para Martírio, densa e contextualizada imersão no genocídio dos guaranis caiovás. Aí a plateia acordou. O filme, já consagrado com vários minutos de aplausos quando de sua exibição, repetiu a experiência na premiação. Foi o momento mais emocionante da noite.

Outro foi a entrega da recém-criada medalha Paulo Emilio Sales Gomes ao homenageado, o crítico, professor da USP e ator Jean-Claude Bernardet, que acaba de completar 80 anos.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.