Não é coisa fácil voltar a ler os jornais depois do Réveillon.
Afinal, quanto pior a vida mais a gente deposita na virada do ano as esperanças de um futuro melhor.
(E 2016, convenhamos, implorava por um 2017 pobre mas limpinho para reformarmos nossas quase-perdidas esperanças).
Natural.
Toda crise a gente pede para acabar logo.
Em outubro já tem gente fazendo piada com o ano que não acaba.
Faz planos para a noite da virada.
Bota roupa branca.
Cuecas e calcinhas novas.
Pula sete ondas.
Manda flores e pedidos para Iemanjá.
Solta fogos na noite de 31 de dezembro.
Se abraça embriagado de sonhos.
Tudo conforme a tradição de espantar o ano que passou.
Aí dorme na areia agarrado na garrafa de Cidra e acorda com um jornal do dia, trazido pelo vento.
Parece desaforo.
Tudo exatamente igual ao ano passado.
Ou pior.
Porque todo ano novo tem uma desgraça qualquer.
Um massacre, um tsunami, um navio, um avião, uma chacina, já notou?
Tudo dramático, para passar logo nossa ressaca e nos assegurar de que a vida continua a mesma no ano novo.
Esse ano não foi diferente.
Tivemos a chacina de Campinas.
Outra, terrível, promovida pelos presos do Amazonas.
Teve ainda a descoberta de que Adriano, o ex-Imperador, vive numa favela, deprimido e alcoólatra, desde a morte de seu pai.
Mas a pior notícia do novo ano não está nas manchetes das páginas policiais.
Está ali, no meio de insignificâncias políticas, escondidinha.
É que o BNDES, pela primeira vez desde maio do ano passado, liberou recursos para uma empresa investigada pela Lava Jato.
Foram US$ 145 milhões para a Queiroz Galvão, no apagar das luzes de 2016, dia 28 de dezembro.
O dinheiro será utilizado pela construtora na obra que liga a ponte San Juan I a Goascorán, em Honduras.
O Banco justificou:
“… é o primeiro financiamento da carteira de exportação de bens e serviços de engenharia e construção que volta a receber recursos … após a suspensão temporária de desembolsos, ocorrida em maio de 2016”
Mas não pense que esse dinheiro escapou assim, sem nenhuma garantia.
Foi assinado um termo de compliance pela Queiroz Galvão e o governo de Honduras onde se comprometem a utilizar o dinheiro de acordo com as expectativas.
Vocês estão de brincadeira comigo, né?
Só pode ser.
Se você não se lembra, a 33ª fase da Lava Jato – Operação Resta Um – teve como alvo os executivos da Queiroz Galvão.
Foram dois mandatos de prisão temporária, um de prisão preventiva e seis de condução coercitiva.
Para o MPF, a empresa participou de um cartel que fraudava licitações da Petrobras.
Quase R$ 200 milhões da empresa foram bloqueados.
E vocês me vão emprestar centos de milhões de dólares para essa gente?
Não vou nem entrar no mérito do dinheiro servir para financiar obras fora do Brasil.
Isso é assunto para outro artigo mas – fosse uma empresa livre de acusações – até faria sentido incentivar suas exportações.
Agora, dada a realidade atual das acusações, há que ser muito camarada para permitir que essa empresa saia com essa dinheirama toda do Brasil.
Mas sabe como é.
Hoje é um novo dia, de um novo tempo que começou.
Faça-me o favor.

Aí dorme na areia agarrado na garrafa de Cidra e acorda com um jornal do dia, trazido pelo vento. Parece desaforo.
Tudo exatamente igual ao ano passado