Conhecido por seu pavio curto e pela impulsividade, o ex-ministro da Justiça Alexandre de Moraes foi submetido a um verdadeiro treinamento de guerra, antes de enfrentar, na terça-feira 21, a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Uma equipe de 10 assessores foi destacada para “espancá-lo” com questões das mais indigestas, envolvendo o seu trabalho, trajetória política, experiência administrativa e até sua vida pessoal. Quem acompanhou o teste de resistência garante que o ex-ministro havia resistido bem ao “corredor polonês” em forma de perguntas. Mesmo assim faltou pouco para Moraes perder as estribeiras ante os holofotes. O clima por vezes ameno da sessão não foi suficiente para que ele evitasse algumas respostas ríspidas endereçadas aos senadores.

O tom ficou decibéis acima do script previamente combinado quando o candidato a ministro do STF foi confrontado com perguntas mais espinhosas, como a que questionou se ele não tinha vergonha de ter feito lobby por sua indicação. A pergunta foi formulada pelo senador Magno Malta (PR-ES). Além do corpo-a-corpo pelos gabinetes do Senado, Moraes chegou a participar de um encontro numa chalana do senador Wilder Moraes (PP-GO), conhecida por Champagne.

Do plágio ao xampu

A senadora Fátima Bezerra (PT-RN) também lhe tirou do sério, ao formular uma pergunta sobre uma ação de plágio movida contra ele e sua editora pelo procurador de Justiça de São Paulo Cássio Juvenal Faria. Moraes rebateu com ênfase, dizendo que a pessoa responsável por transmitir a informação à senadora era um “caluniador”: “Não há, nunca houve e digo que nunca haverá nenhuma ação de plágio”. A exaltação na resposta surpreendeu até aos aliados. O gelo foi quebrado com uma brincadeira do senador Armando Monteiro (PTB-PE), ao mencionar o roubo de um xampu como um caso de menor gravidade passível de resolução antes de um julgamento no tribunal. “Faz tempo que não uso xampu, senador”, brincou Moraes.

Algumas declarações provocaram a ira dos ministros e futuros colegas do Supremo. Jogando para a plateia que iria aprová-lo, Moraes criticou o chamado ativismo judicial, que é quando a corte avança sobre a criação de normas nos mais variados assuntos da legislação. Para ele, o fenômeno poderia causar uma “guerrilha institucional, onde cada Poder acha que é sua competência e não há ninguém para arbitrar”. No mesmo dia, o decano do Supremo, Celso de Mello, rebateu. “O STF age com deferência para com o Congresso Nacional. Mas, em casos de omissão normativa, em que o Congresso se abstém, busca suprir aquela omissão legislativa”, afirmou. Questionado sobre temas que podem entrar na pauta do Supremo, como aborto e descriminalização das drogas, Moraes preferiu não emitir opinião, já que poderá no futuro participar de julgamentos envolvendo esses temas. Nesse caso, acertou na mosca.

Sobre a Lava Jato, afirmou que apoiou a operação enquanto esteve no comando do Ministério da Justiça. E negou haver desmonte na Polícia Federal. “Reforçamos a Lava Jato com mais delegados, mais agentes, mais peritos, mais orçamento, tanto que os dois coordenadores do Ministério Público da Operação Lava Jato, na semana passada, elogiaram a minha conduta, enquanto ministro”, discursou. Disse que não iria se declarar impedido de antemão. Como ministro, ele ficará na Primeira Turma do Supremo, que não cuida diretamente dos casos da Lava Jato. Atuará, porém, como revisor dos processos submetidos ao plenário.

MARCAÇÃO CERRADA Gleisi Hoffmann foi uma das que mais apertou Moraes
MARCAÇÃO CERRADA Gleisi Hoffmann foi uma das que mais apertou Moraes

Em outro ponto alto da sabatina, Moraes fez questão de ressaltar que suas ligações políticas, como a proximidade com Temer e a filiação ao PSDB, não interfeririam em sua atuação no Supremo. É o que dele se espera. “Não considero, não considerarei e jamais atuarei entendendo que a minha indicação e a minha eventual aprovação por vossas excelências tenha qualquer ligação de agradecimento ou qualquer ligação de favor político”. Questionado pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG) sobre as notícias de que advogou para a campanha tucana em 2014, Moraes afirmou que prestou serviços advocatícios para os mais diversos partidos e que foi remunerado por isso. “Durante o período que advoguei, tanto nas eleições de 2012 quanto na eleição geral de 2014, eu advoguei também na questão eleitoral para candidatos, inclusive parlamentares, de todos os partidos, partidos ditos de situação ou de oposição, porque a função do advogado não é escolher o partido para advogar. E cobrei, senador Aécio, de todos, porque é uma questão profissional”, concluiu.

A sabatina foi concorrida. O pequeno plenário da CCJ já estava lotado no início da manhã, antes do início da sessão, aberta pelo presidente da CCJ Edison Lobão (PMDB-MA) às 10h12. Os debates foram longos, como os cabelos que um dia Moraes chegou a ostentar: a reunião foi encerrada às 21h53. Pela manhã, houve confusão entre seguranças do Senado e deputados do PSOL que tentaram entrar na sala com cartazes contra o candidato.

Posse definida

Aprovado pela comissão por 19 votos a 7 e, em seguida, pelo plenário do Senado por 55 votos a 13, Moraes agora vai ocupar a vaga deixada por Teori Zavascki, morto há pouco mais de um mês em um acidente aéreo. A posse está marcada para o dia 22 de março. Líder do governo no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) saiu em defesa de Moraes após o desfecho da refrega. “A oposição não foi capaz de levantar nenhuma questão substantiva em relação às grandes questões jurídicas do país. Ficou repisando um samba de uma nota só: ‘ah, foi indicado pelo presidente da República’. É assim a Constituição”. É mesmo.

“Jamais atuarei entendendo que a minha indicação tenha qualquer ligação de agradecimento ou de favor político”