O Supremo Tribunal Federal revogou nesta terça-feira, 2, o decreto de prisão preventiva que pesava contra o ex-ministro chefe da Casa Civil José Dirceu (Governo Lula). Por três votos a dois, os ministros da Segunda Turma da Corte máxima decidiram abrir os portões da prisão da Lava Jato para o emblemático personagem petista.

Votaram pela liberdade de José Dirceu, os ministros Gilmar Mendes, voto decisivo, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski. Contra a revogação da prisão, os ministros Celso de Mello e Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo.

Dirceu estava preso desde 3 de agosto de 2015, por ordem do juiz federal Sérgio Moro, símbolo da Lava Jato. Em menos de dois anos, Moro aplicou ao ex-ministro duas pesadas condenações que somam 32 anos e um mês de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa.

Nesta terça, dando sequência a uma série de decisões similares, os ministros do Supremo acolheram pedido de habeas para Dirceu.

Antes, na semana passada, a Segunda Turma mandou soltar o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Lula, e o ex-tesoureiro do PP, João Cláudio Genu, ambos também condenados por Moro.

Na sexta-feira, 28, em decisão isolada, o ministro Gilmar Mendes mandou soltar o empresário Eike Batista.

Nesta terça, logo cedo, a força-tarefa do Ministério Público Federal em Curitiba, base da Lava Jato, entregou à Justiça Federal uma nova denúncia, a terceira, contra o ex-ministro da Casa Civil – agora, acusado pela prática de 33 crimes de lavagem de dinheiro, no caso R$ 2,4 milhões que teria recebido em propinas das empreiteiras Engevix e UCT Engenharia.

A nova denúncia foi uma tentativa derradeira da Procuradoria de convencer o Supremo da necessidade de manutenção da prisão preventiva de Zé Dirceu. Não deu certo.

Edson Fachin

O ministro Edson Fachin votou pela manutenção da prisão preventiva do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, preso há quase dois anos no âmbito da Operação Lava Jato.

Dirceu teve prisão preventiva decretada em agosto de 2015 e desde então já foi condenado duas vezes pelo juiz federal Sérgio Moro, responsável na primeira instância pelas ações penais sobre o esquema de corrupção na Petrobras.

“O núcleo central desse debate é saber se há ilegalidade no decreto que resta aqui atacado por esse habeas corpus. A prisão preventiva é, em meu modo de ver, instrumento importante para a efetividade das persecuções criminais, mas é certo que a preventiva não pode ser um fim em si mesmo. Somente se sustenta juízo negativo sobre o tempo de duração da preventiva se houver ilegalidade”, disse Fachin, ao iniciar a leitura do seu voto.

“A lei é o limite, tanto para determinar quanto eventualmente para revogar a prisão, e se assim não se for quem estiver se afastando da lei é o próprio julgador. A manutenção da prisão preventiva do paciente se encontra justificada pela lei e pela jurisprudência desta Corte, inclusive desta Segunda Turma”, ressaltou o ministro.

Fachin destacou em seu voto a multiplicidade de condutas criminosas atribuídas a Dirceu, além do fato de o ex-ministro da Casa Civil já ter sido condenado no julgamento do mensalão.

“A expressão econômica das vantagens supostamente indevidas e recebidas evidencia que não se está diante de cenário processual ordinário. Impressiona, são cifras que bem sinalizam a gravidade concreta das infrações”, comentou o ministro.

“O caso exibe uma outra particularidade: é fato notório que o paciente restou condenado pelo plenário do STF na ação penal 470 (mensalão), em razão da prática de corrupção”, destacou Fachin.

O ministro reconheceu que diversas prisões preventivas têm sido alvo de críticas. “O tema é mesmo relevante e deve ser tratado como algo cuidadoso. Ele (Dirceu) está preso desde agosto de 2015, o que não deve ser ignorado”, comentou o ministro.

“Eventual excesso na duração de prisões cautelares não deve ser analisado diante de prazos estanques, não se trata de uma questão aritmética. É indispensável que tal circunstância seja aferida de modo particularizado, à luz das peculiaridades de cada caso”, ressaltou.

“Estamos aqui nesse caso a tratar em acusação, digo e repito, a tratar da criminalidade do ‘colarinho branco'”, concluiu Fachin.

Dias Toffoli

O ministro Dias Toffoli votou por conceder liberdade ao ex-ministro José Dirceu. “A prisão preventiva não pode ser utilizada como um instrumento antecipado de punição”, afirmou Toffoli, em seu voto.

Toffoli afirmou que a manutenção da prisão preventiva após condenação em primeira instância significaria modificar a jurisprudência do Supremo, que prevê que a execução de uma pena deve começar apenas após a condenação em segundo grau.

Destacando que a prisão foi há quase dois anos, o ministro diz reconhecer gravidade dos delitos pelos quais foi condenado em Curitiba, mas afirmou que não há novos argumentos que justifiquem a continuidade da prisão preventiva do ex-ministro do PT. Outro argumento que utilizou foi que o grupo ao qual Dirceu fazia parte já não se encontra no poder após o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

“Entendendo que não há contemporaneidade e atualidade entre a dita reiteração delituosa com a decisão que estabeleceu a prisão preventiva e que não estão mais presentes razões processuais e de ordem pública que justifiquem a prisão preventiva, ela nada mais é hoje do que a antecipação de uma decisão definitiva, e há inúmeros casos em que as apelações são providas (garantidas) pelos tribunais”, afirmou Toffoli, fazendo ressalvas de que não “não se está a julgar o caso concreto, nem a apelação em si, mas a necessidade de fundamentos para a prisão cautelar do paciente”.

Toffoli disse reconhecer que há um “perigo de liberdade” em relação à possibilidade de o acusado voltar a cometer delitos.

“Mas esse ‘periculum libertatis’ pode ser abreviado com medidas cautelares diversas e menos gravosas do que a prisão. O que também irá repercutir no direito de liberdade do réu. O rol de medidas são inúmeras e suficientes ao meu ver para substituir a prisão provisória, e é claro que não ficará em total liberdade em razão das medidas restritivas que possam ser implementadas”, afirmou.

“Eu voto pela concessão da ordem de habeas corpus, mas não deixo de vislumbrar, como disse em meu voto, a possibilidade de o juízo de origem 13ª Vara Federal de Curitiba, de acordo com o art. 319 do Código de Processo Penal, fixar medidas cautelares substitutivas à medida de prisão preventiva diante do quadro que se impõe. No atual estágio, com a conversão da prisão preventiva em medidas cautelares, eu entendo que é suficiente e afasta a execução provisória de uma pena de primeiro grau, que poderá ser confirmada na apelação”, votou o ministro Toffoli.

Ricardo Lewandowski

O ministro Ricardo Lewandowski votou pela revogação da prisão preventiva. “Há jurisprudência para vários lados, diversas direções e como vi o ministro Toffoli fazer referência, em direito penal e no direito processual, cada caso é um caso. Não existem teses definitivas aplicáveis mecanicamente, é preciso sempre sopesar os fatos em concreto”, disse Lewandowski.

“É claro que a conduta (de Dirceu) é grave, ninguém aqui no STF compactua com corrupção”, disse Lewandowski, que observou, no entanto, que a possibilidade de reiteração criminosa “me parece remotíssima, senão impossível” nesse caso.

“A utilização de medidas alternativas afigura-se adequada e suficiente para um só tempo garantir-se que o paciente não volte a delinquir e sobretudo preservar-se a presunção da inocência”, frisou o ministro.

Lewandowski destacou em seu voto que José Dirceu ainda aguarda julgamento em segunda instância – no caso, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

“Não se pode atribuir ao paciente a demora em seu julgamento nem negar-lhe de utilizar dos meios de defesa que a Constituição e as leis lhe asseguram”, ressaltou Lewandowski.

“Não se pode impor ao paciente que aguarde preso indefinidamente eventual condenação no segundo grau. A prisão acaba representando uma punição antecipada, sem uma condenação em segundo grau”, destacou o ministro.

Para Lewandowski, o que se está vendo “são prisões a partir de uma decisão de primeiro grau”. “Isso evidentemente é vedado no nosso ordenamento jurídico constitucional e vedado em qualquer país civilizado”, criticou.

“A prisão dilatada no tempo, que dura quase dois anos, afronta o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade”, concluiu Lewandowski.

Celso de Mello

O ministro Celso de Mello votou pela manutenção da prisão preventiva do ex-ministro.

“Torna-se inviável a conversão de prisão preventiva em medidas cautelares alternativas”, disse Celso de Mello, dizendo estar fundamentado “na periculosidade social do réu e na sua habitualidade delitiva, em face da probabilidade real da prática de delitos gravíssimos, tanto a corrupção passiva, como a lavagem de dinheiro, como a vinculação a organização criminosa”.

O principal argumento apontado pelo ministro é que José Dirceu poderia continuar a cometer crimes se posto em liberdade, diante da constatação de que, de acordo com a Justiça de primeira instância, continuou a fazer parte de esquema criminoso e a receber propina mesmo durante o transcurso do julgamento do processo do mensalão no STF. Nesse sentido, Celso citou trecho de sentença do juiz Sérgio Moro na condenação de Dirceu, em que manteve a prisão preventiva.

“O mais perturbador, porém, em relação a José Dirceu de Oliveira e Silva consiste no fato de que recebeu propina inclusive enquanto estava sendo julgado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal a Ação Penal 470, havendo registro de recebimentos pelo menos até 13/11/2013. Nem o julgamento condenatório pela mais Alta Corte do País representou fator inibidor da reiteração criminosa, embora em outro esquema ilícito”, disse Celso, lendo decisão de Sérgio Moro.

Celso de Mello diz que “não existe ilegalidade no decreto de prisão inicial, que aponta a sofisticada abrangência das ações de uma dada organização criminosa que segundo imputação penal teria participado o ora paciente, o que demonstra a sua periculosidade”.

O decano da Corte posicionou-se contra o argumento de que não se pode mais coletar provas sobre a atuação de José Dirceu em supostos crimes. “Nem se diga que a instrução penal se encontra encerrada e que o paciente não mais poderia interferir na produção da prova penal. Sabemos que o fato de testemunhas já terem apresentado seu depoimento e que provas tenham sido produzidas, isso não significa que novos atos não possam ser praticados”, disse.

Sobre o aspecto da longa duração das prisões preventivas, criticada reiteradamente pelos ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, Celso de Mello usou um trecho do voto do próprio ministro Fachin no caso em análise.

“No caso concreto, o paciente encontra-se preso provisoriamente desde 03.08.2015, situação que certamente não é indiferente ao Estado-juiz. Contudo, eventual excesso na duração das prisões cautelares não deve ser analisado mediante prazos estanques. Não se trata de avaliação meramente aritmética. Indispensável, na realidade, que tal circunstância seja aferida de modo particularizado, à luz das peculiaridades de cada caso”, disse Celso de Mello citando Fachin.

Gilmar Mendes

Último a votar, o presidente da turma, Gilmar Mendes, desempatou o julgamento, e também condenou as prisões por tempo indeterminado na Lava Jato, que considera  ilegais. Para o ministro, o uso da prisão preventiva como punição não é compatível com o princípio constitucional da dignidade humana.

“O caso mais importante em termos penais julgado originariamente por esta Corte [mensalão] não teve prisão preventiva decretada, e esse fato tem sido esquecido. Não é clamor público que recomenda a prisão processual. Não é o momento para ceder espaço para o retrocesso”, disse.

Ele criticou duramente a força-tarefa do Ministério Público Federal do Paraná, que conduz os processos da Lava Jato na primeira instância, por ter apresentado uma nova denúncia contra o ex-ministro petista justo no dia em que o pedido de liberdade feito pela defesa seria analisado na Segunda Turma do STF.

“A imprensa publica que as razões que os valorosos procuradores de Curitiba dão para a data de hoje é porque nós julgaríamos o habeas corpus hoje, ministro Fachin. Já foi dito da tribuna pelo advogado de defesa, Roberto Podval. Se nós devêssemos ceder a este tipo de pressão, quase que uma brincadeira juvenil, são jovens que não têm a experiência institucional nem vivência institucional, então eles fazem esse tipo de brincadeira… Se nós cedêssemos a esse tipo de pressão, nós deixaríamos, ministro Lewandowski, de ser ‘supremos’. Nem um juiz passaria a ser ‘supremo’. Seriam os procuradores. Quanta falta de responsabilidade em relação ao Estado de Direito. O Estado de Direito é aquele em que não há soberanos, todos estão submetidos à lei”, afirmou Gilmar Mendes.

“Não se pode imaginar que se pode constranger o Supremo Tribunal Federal, porque esta Corte tem uma história mais do que centenária. Ela cresce neste momento. Esta é a sua missão institucional”, continuou o ministro, no meio do seu próprio voto a favor da concessão de liberdade a José Dirceu, preso preventivamente desde agosto de 2015.

O voto de Gilmar Mendes desempatou o julgamento, somado aos do ministro Dias Toffoli e do ministro Ricardo Lewandowski, que venceram os ministros Edson Fachin, relator, e Celso de Mello, que queriam a manutenção da prisão. Gilmar Mendes acrescentou que a decisão de soltar o ex-ministro, ao contrariar a manifestação do Ministério Público Federal do Paraná, seria uma “lição a pessoas que têm compreensão equivocada do seu papel”.

“Creio que hoje o tribunal está dando uma lição ao Brasil. A pessoas que têm compreensão equivocada do seu papel. Não cabe a procurador da República pressionar, e não cabe a ninguém pressionar o Supremo Tribunal Federal. É preciso respeitar as linhas básicas do Estado de Direito. Quando nós quebramos isto, nós estamos semeando o viés autoritário, é preciso ter cuidado com esse tipo de prática”, afirmou.

“Evidentemente essa acusação já estava sendo elaborada, amadurecida, prova disso é que foram colhidos depoimentos em 2016, expedidos ofícios com o objetivo de alcançar informações. É uma acusação que amadureceu, estava para ser oferecida e em razão da análise, pelo Supremo Tribunal Federal, de um habeas corpus referente a José Dirceu, houve a precipitação com o objetivo de trazer à tona informações que são relevantes, que são pertinentes e que podem ser, ou não, consideradas pelo Supremo Tribunal Federal dentro da ampla independência que goza aquele tribunal.”