No prédio da faculdade de Direito do Largo São Francisco, no centro de São Paulo, há um espaço conhecido como “pátio das arcadas”. Amplo, em meio a uma construção arquitetônica rodeada por solenes arcos, ele se tornou um ponto de encontro dos estudantes da instituição, que lá se reúnem para confabular sobre a política interna e nacional. Uma prática iniciada há quase dois séculos. Desde a sua criação, em 1827, o objetivo da São Francisco era ser um “celeiro de pessoas públicas” e incitar a veia política de seus estudantes, nas palavras do atual diretor, o professor José Rogério Cruz e Tucci, formado na turma de 1978. Ao longo de todas essas décadas de existência, o propósito parece ser alcançado dia após dia. É assim desde o fim da monarquia e começo da República, quando os bacharéis ali formados se reuniram durante a Convenção de Itu (1873), a primeira de republicanos militantes, entre eles o ex-aluno e futuro presidente Prudente de Moraes (1841-1902). Desde então, pelo menos uma centena de políticos brasileiros já foram formados em suas colunas. E, com Michel Temer no poder, é a 13ª vez que um ex-aluno ocupa o mais alto cargo executivo público do País, confirmando a vocação da São Francisco como “fábrica de presidentes”. “O curso tem essa inclinação politizada. O ensino do direito público sempre foi mais acentuado”, afirma Tucci.

TEMER E A PERUADA No destaque, em 1959, fantasiado para a mais tradicional festa dos alunos do Largo São Francisco
TEMER E A PERUADA
No destaque, em 1959, fantasiado para a mais tradicional festa dos alunos
do Largo São Francisco (Crédito:Reprodução)

Era em meio aos famosos arcos que o então universitário Michel Temer (turma de 1963) se encontrava com os colegas para falar de política. Desde os tempos de calouro entrava nas rodas, discutia, participava de decisões estudantis. “Ele era um frequentador assíduo dos debates”, afirma José Carlos Madia, presidente da Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e contemporâneo do atual presidente. Os alunos se dividiam em seus próprios partidos, que davam o rumo da política interna no que dizia respeito às reivindicações do corpo discente. Temer, com os colegas, discutia sobre questões da faculdade e as bandeiras de seu partido. No final da década de 1950 e início da década de 1960 o cenário político nacional também fervilhava e pautava uma infinidade de conversas naquele mesmo ambiente. A incitação a uma formação cidadã era muito forte e vinha de todos os lados, professores e colegas, o que tornava inevitável o envolvimento político.

“Com Michel não foi diferente”, afirma a advogada Norma Kyriakos, colega de turma de Temer e amiga dele até hoje. Formado na turma 132, Temer foi ativo desde o primeiro ano, quando ingressou no Centro Acadêmico XI de Agosto como tesoureiro. “Posso dizer que sua vida política começou ali”, diz Norma. Depois, se tornou presidente da comissão de trote. Passado algum tempo, disputou a presidência do centro acadêmico, mas se deparou com o desligamento de um dos companheiros de chapa, que foi para outro partido da faculdade, levando consigo alguns votos. Terminou em segundo lugar.  Norma lembra com carinho da época de ‘pátio’. “Nosso aprendizado político foi lá e essa era uma parte importante da atividade acadêmica”, diz. Segundo Tucci, diretor da São Francisco, é assim até hoje. “São mais de 40 grupos de estudos na faculdade, desde violência contra a mulher a direitos humanos, que se encontram nesse espaço”, diz.

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Além dos 13 presidentes que se formaram na faculdade de Direito do Largo São Francisco, vários nomes célebres passaram pela instituição. Entre os governadores de São Paulo, o número chega a 44. Uma série de juristas, políticos e ministros também foram alunos, como Ulysses Guimarães (1916-1992), um dos líderes das “Diretas Já” e candidato a presidente da República; Márcio Thomaz Bastos (1935-2014), ex-ministro da Justiça; e Fernando Haddad (PT), atual prefeito de São Paulo. De suas cadeiras também saíram os três advogados que protocolaram o pedido de impeachment de Dilma Rousseff: Hélio Bicudo, Miguel Reale Junior e Janaína  Paschoal. Mas há vários outros alunos, antigos e atuais, contrários ao impeachment ou filiados a partidos de esquerda. “Isso mostra que os estudantes convivem em um ambiente plural, onde as ideias são as mais diversificadas. O importante é o respeito mútuo”, diz o diretor, em consonância com o pensamento de seu atual mais famoso ex-aluno.