Acima, ativistas pela permanência
Acima, ativistas pela permanência (Crédito:NIKLAS HALLE’N/AFP PHOTO)

As flores diante da foto da deputada trabalhista Jo Cox colocada na calçada da Praça do Parlamento, no centro de Londres, se transformaram, na quinta-feira 16, na imagem mais forte da reta final de uma campanha que está dividindo a Inglaterra, afetando a Europa e preocupando o resto do mundo. Jovem e tida como idealista, Jo foi morta a tiros quando caminhava pelas ruas de Birstall, no norte do país, num atentado que comoveu os britânicos. Em plena luz do dia, o assassino se aproximou dela e, antes de disparar, teria gritado: “Primeiro o Reino Unido”. O relato coloca o crime no centro de um debate crucial para o destino da nação. Na quinta-feira 23, ingleses, escoceses, galeses e irlandeses irão às urnas em um referendo para decidir se a Grã-Bretanha permanece ou não na União Europeia (UE), o bloco que eliminou fronteiras econômicas e introduziu políticas comuns entre 28 países do continente. Jo Cox era uma das vozes mais ativas em favor do fico. O grito de seu assassino, um dos slogans dos nacionalistas que querem distância do resto da Europa. Na pesquisa de opinião publicada na semana passada pelo instituto Ipsos, os eleitores favoráveis à saída somavam 53% das intenções de votos, contra 47% dos que acreditam que permanecer seja a melhor opção.

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A conexão política do atentado ainda não era clara na quinta-feira 16, mas, por causa dele, as campanhas foram suspensas ao menos até o sábado 18. Nas últimas semanas, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, tem recebido reforço internacional em sua batalha pela permanência no bloco europeu. Figuras como Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, e Angela Merkel, chanceler alemã, têm feito apelos pela união dos britânicos aos outros países. O argumento principal de todos eles é uma analogia aos casamentos – numa separação, em geral, ambos os lados perdem. Os impactos econômicos do rompimento britânico seriam irreparáveis. Um estudo da London School of Economics aponta que pode haver uma imediata retração de até 3% no PIB do Reino Unido em função das necessidades de renegociação de acordos comerciais, bilaterais ou multilaterais, e da queda dos investimentos diretos – mais de 50% deles vêm de países da UE. Metade de suas exportações vai para países do bloco. Cerca de 820 mil postos de trabalho evaporariam, segundo estimativas dos defensores do fico.

“Deixar a União Europeia é como trair os valores britânicos”, disse o recém-eleito prefeito de Londres, Sadiq Khan, em recente pronunciamento. Na outra ponta do debate está seu antecessor, Boris Johnson, e grande parte do Partido Conservador. Favoráveis ao “Brexit” – uma mistura, em inglês, das palavras british (britânicos) e exit (saída) – eles até admitem que haverá perdas sensíveis num primeiro momento, mas se apegam a um crescente sentimento de xenofobia para fazer prosperar o discurso separatista. Argumentam que as políticas migratórias e uma economia com mais autonomia só serão possíveis sem as amarras dos acordos em blocos.

Os partidários da separação costumam se apoiar no exemplo da Noruega, que, em 1994, disse não à UE e apresenta altos índices de desenvolvimento econômico. Para eles, ao ficar livre dos rigores regulatórios impostos pelo bloco, os noruegueses puderam flexibilizar suas políticas sociais e econômicas e, com isso, obtiveram maiores taxas de crescimento. Na semana passada, a primeira ministra da Noruega, Erna Solberg, visitou Cameron em um gesto de apoio e recomendou aos britânicos que votem pela permanência. Perguntada sobre o que achava da campanha dos favoráveis à saída do bloco, respondeu: “Eles não vão gostar”. Segundo ela, por depender da zona do euro em grande parte de suas transações externas, a Noruega acaba sujeita às normas do bloco, mas sem direito a voto nas discussões.

País insular, a Inglaterra tem longo histórico de isolacionismo e confronto. Já liderou um império global e os súditos do Império Britânico se orgulhavam em dizer que, em seu território, o sol nunca se punha. Na formação do bloco europeu, aceitou participar, mas se recusou a adotar a moeda única. Sempre se queixou de que suas posições não tinham o peso devido nas decisões da UE, principalmente se comparada com França e Alemanha. Agora, parece querer mostrar o quanto sua vontade deve influir no destino dos demais. O maior temor é que uma vitória do Brexit inicie um efeito dominó – há movimentos contrários ao bloco na França, Irlanda e Grécia. “Um voto pela saída não representaria apenas um bloco de 28 membros menos um”, disse o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier. “Ele exigiria esforços para assegurar sua união e integração.”

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SÍMBOLO Mulher faz homenagem à deputada Jo Cox, assassinada na quinta-feira 16
SÍMBOLO Mulher faz homenagem à deputada Jo Cox, assassinada na quinta-feira 16

A decisão daria impulso também a políticos com viés nacionalista e menos tolerância a políticas de imigração, como Marine Le Pen, na França, e até mesmo Donald Trump, nos Estados Unidos. Uma onda de fechamento de fronteiras e de retrocesso em discussões sobre direitos civis poderia se alastrar até mesmo longe dos limites da Europa. Por conta disso, veículos como a influente revista britânica The Economist publicaram editoriais a favor da permanência do Reino Unido no bloco europeu. A manchete da Economist resume um sentimento que os súditos da rainha Elizabeth parecem ainda não ter entendido: “Divididos, nós caímos.”


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