No último dia 19, a professora e rapper Preta-Rara criou a campanha #EuEmpregadaDoméstica, com o objetivo de que as mulheres que trabalham como domésticas pudessem contar relatos de situações humilhantes que passaram em seus serviços.

A motivação da professora, de 31 anos, surgiu com uma lembrança. “Eu estava em casa fazendo almoço e me veio assim, como um jato muito forte na memória, essa história e resolvi compartilhar no Facebook”, explica Preta-Rara sobre seu primeiro relato com a hashtag.

Para ela, o mais importante de expor os relatos é acabar com a naturalização da condição que as domésticas enfrentam. “Por muito tempo nós fomos e ainda somos invisíveis dentro da sociedade”, diz. É comum que as humilhações e maus tratos às domésticas fiquem dentro de casa. “Tem várias coisas que a gente naturaliza e acaba achando que é normal, mas não é normal”.

Dos 19 aos 25 anos, a rapper teve a mesma profissão de sua mãe, avó e tia na cidade de Santos. Ela relembra que, antes de ser doméstica procurou outros empregos mas não conseguia nada. Eu não conseguia arrumar outro emprego, porque aqui na minha cidade, como em todo o Brasil, o racismo ainda é algo que existe. Na época eu não entendia, e ainda entregava meu currículo com foto, mas a boa aparência que eles pedem nunca é negra, e nesse momento eu comecei a entregar sem foto”

A mãe não queria que Preta-Rara tivesse o mesmo emprego que ela, justamente por causa das humilhações que já havia sofrido, mas a rapper passou por situações parecidas. “Como empregada doméstica eu tive mais tristeza que alegria. Foram poucos momentos alegres, poucos momentos humanizados. Por mais que as patroas dissessem que eu era parte família, nunca era”, afirma.

Em apenas dois dias, a campanha se espalhou. A professora já recebeu centenas de relatos e, por isso, no dia 20, criou a página no Facebook Eu Empregada Doméstica, que em menos de um dia já conseguiu mais de oito mil curtidas. “Eu percebi que o que eu passava dentro das casas das famílias, outras mulheres também passavam”, relatou.

O sonho de Preta-Rara sempre fora conseguir ingressar na universidade, sonho que, muitas vezes, foi desincentivado por algumas empregadoras. “Algumas patroas me diziam que estudar não ia alterar minha condição social. Eu lembro que tinha uma que dizia ‘sua mãe não era empregada doméstica? Sua avó não era empregada doméstica? Sua tia, suas primas… Então, sua condição é ser empregada doméstica e você tem de ser feliz dentro dessas condições’. Isso ela falou para mim quando eu disse que teria que sair do serviço mais cedo porque tinha conseguido um cursinho pré-vestibular porque eu queria fazer faculdade.”

A única patroa que incentivou a professora a seguir seus estudos foi Regina, que a emprestou o livro Olga para que a doméstica lesse em sua casa. “Eu ficava folheando os livros dela. Eu me lembro muito bem que peguei o livro da Olga. Eu comecei a todo dia inventar que tinha que tirar pó da estante e ler um trecho deste livro. E um dia ela me pegou no flagra lendo esse livro e perguntou ‘você gosta de ler? Ai que legal. E você tá lendo esse livro aqui?'”, e o ofereceu emprestado. Foi ela também que apresentou a Preta-Rara os programas sociais como ProUni e Pronatec.

Mais velha, a professora conseguiu emprego como operadora de telemarketing, além de diarista, e conseguiu dinheiro para pagar sua faculdade. Em 2009, ela começou a cursar história. Além disso, ela se envolveu com o hip hop e graças ao movimento passou a divulgar as poesias que já escrevia. “Já tinha um exercício de transformar toda a minha dor em palavra, mas eu deixava guardada. Depois, comecei a expor essas poesias, relatos e escrever rap também”.

A primeira música da rapper, “Falsa abolição”, compara a condição dos negros escravos no Brasil com a situação que vivem agora. “Minhas músicas sempre falam sobre alguma história de alguém, seja sobre as mulheres, o machismo e o feminismo, a questão do genocídio da juventude negra.”

O modo de transmitir suas vivência e a história vale tanto como rapper quanto como professora. É assim que ela ensina seus alunos a não reproduzirem a opressão e a também não se permitirem passar por isso. “O mais louco de tudo isso é que muitas empregadas domésticas acham que tudo isso é normal”, opina e relembra que, ao relatar humilhações à mãe, ela dizia que era normal.

Preta-Rara reforça que, em muitos países, não existe a profissão “doméstica”. No entanto, com a falta de perspectiva de que isso acabe, o ideal é que as relações entre patrão e empregada sejam humanizadas e com respeito. “A gente não quer ser tratada como alguém da família, mas como um bom profissional, como qualquer ser humano precisa ser tratado”, explica.