AGRESSOR Brock Turner (ao centro), ex-aluno de Stanford (acima), condenado a seis meses de prisão por estuprar uma estudante no campus
AGRESSOR Brock Turner (ao centro), ex-aluno de Stanford (acima), condenado a seis meses de prisão por estuprar uma estudante no campus (Crédito:Rahim Ullah)

“Beber não é crime. Tirar minha calcinha e colocar seus dedos dentro do meu corpo foi o que você fez de errado. Por que eu ainda tenho que explicar isso?” Com essa frase, a jovem vítima de estupro encerrou seu depoimento no julgamento de seu colega e algoz, Brock Turner, ex-aluno e atleta da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, uma das mais prestigiosas instituições de ensino do mundo, em um longo e doloroso relato, na quinta-feira 2. Turner recebeu sentença de prisão de seis meses de uma pena máxima de 14 anos porque, segundo o juiz, mais tempo preso poderia ter um “impacto severo” sobre ele, um nadador de elite, que chegou a disputar vaga em Olimpíada. Mesmo culpado, Turner admitiu só ter errado ao beber demais e não considerou ter cometido um crime ao estuprar a estudante, que foi encontrada atrás de uma lata de lixo, dentro do campus.

PROTESTO Painéis ocuparam a praia de Copacabana (RJ) em ato contra abusos sexuais, na semana passada
PROTESTO Painéis ocuparam a praia de Copacabana (RJ) em ato contra abusos sexuais, na semana passada

A sentença e a postura do rapaz seguem a lógica do estupro e da impunidade que se alastra pelas universidades americanas. Quanto mais conceituada, mais blindado se sente o agressor e mais alto é o número de casos: a média de 26% das universitárias que já sofreram algum tipo de abuso sexual aumenta para cerca de 30% entre as instituições de elite. No Brasil, os números são ainda piores. Dados inéditos de um levantamento feito pelo Instituto Avon em parceria com o Data Popular mostram que 34% das alunas de faculdades públicas já sofreram violência sexual, contra 26% das privadas. “A forma mais perversa de violência está nas instituições com mais prestígio”, diz Mafoane Odara, do Instituto Avon. “São violentas porque protegem os agressores e não ajudam as vítimas.”

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Na Universidade de São Paulo (USP), a melhor do País, das oito denúncias de estupro apontados em março de 2015 por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembléia Legislativa do Estado, três viraram sindicância e uma gerou uma suspensão de seis meses ao agressor, que foi acusado de estupro por seis mulheres. Até agora, nenhum outr aluno recebeu punição. Na sexta-feira 3, foi aberta uma sindicância de um novo caso de abuso sexual cometido por um aluno do Instituto de Física da USP contra uma estudante de jornalismo em uma festa dos Jogos Universitários de Comunicação e Artes (Juca), em Sorocaba (SP). Depois disso, outras denúncias contra o mesmo agressor surgiram. A advogada Marina Ganzarolli, que acompanha as denúncias envolvendo alunas da universidade, reitera a gravidade de uma postura leniente com os agressores. “Diante da impunidade pelos crimes já cometidos, eles vão continuar praticando abusos. Se virem uma garota alcoolizada, não vão chamar uma amiga para ajudá-la. Vão violentá-la.”

 

Há outras situações preocupantes nos campi brasileiros que aproximam a realidade local à americana, como justificar o abuso porque vítima ou abusador estão bêbados. “Um em cada quatro universitários brasileiros não vê problema em se aproveitar de uma mulher se ela estiver alcoolizada”, diz Mafoane Odara. “Mas a questão é que não deveria haver diferença no tratamento dado a uma mulher que está na sala de aula e outra que está bebendo em uma festa da faculdade.” Para Sergio Barbosa, filósofo e coordenador do Programa de Responsabilização de Homens Autores de Violência contra a Mulher do projeto Tempo de Despertar, a população masculina tem uma educação voltada para um tipo de virilidade em que ser homem significa ter experiências sexuais, consentidas ou não. E mesmo universitários que passam por uma educação formal de qualidade reproduzem esse comportamento misógino. “Em faculdades onde a direção e o campo profissional são formados majoritariamente por homens, como medicina e engenharia, essa postura fica ainda mais evidente”, diz. “As instituições, em vez de acobertar, deveriam dar mais visibilidade a esses assuntos.” Punir adequadamente os estupradores seria um bom começo.