O TSE agiu como tribunal político no extenuante julgamento, encerrado na última semana, da chapa Dilma-Temer. A corte eleitoral desconsiderou as robustas provas de que a chapa fez uso ilegal de caixa dois e se valeu do dinheiro sujo das empreiteiras para triunfar na campanha eleitoral. Consolidou, assim, a jurisprudência de que o vale-tudo das campanhas eleitorais está permitido no Brasil. Vale aqui um parênteses para registrar que é da história das campanhas eleitorais no Brasil, especialmente, que o candidato a vice-presidente (no caso de Temer à época) atue como um personagem figurativo, influindo pouco ou quase nada nas decisões de campanha – inclusive financiamentos. Assim sendo, seria razoável supor que culpabilidade de Temer nesse pormenor era reduzida, ainda mais se comparado à de Dilma, como candidata ao cargo, que deveria receber por conseguinte uma pena dura. A maioria dos ministros fechou os olhos para o fato de que as campanhas no País são promiscuas na essência e utilizam métodos nada ortodoxos durante a arrecadação de recursos. Aparentemente, os juízes do TSE também preferiram não assumir a responsabilidade de deixar um vácuo no poder. Pesou durante a votação dos ministros do TSE, que absolveram a chapa Dilma-Temer pelo apertado placar de 4 a 3, a ausência de um nome de consenso para substituir Temer até as eleições do ano que vem.

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A batuta de Gilmar

Ao agir assim, o TSE passa a bola para o Supremo Tribunal Federal (STF), onde foi aberto um inquérito para apurar a conduta do presidente. Também transfere a responsabilidade para a Câmara, que avaliará se aceita ou não uma eventual denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) contra Temer pelos crimes de corrupção, obstrução de Justiça e organização criminosa. É inegável que o TSE cumpriu os trâmites legais. A decisão foi tomada por ministros democraticamente constituídos para julgar crimes eleitorais. Mas diante da fartura de provas principalmente contra a campanha de Dilma Rousseff, que escapou ilesa do julgamento, o resultado produziu uma imoralidade.

HÁ LUZ NO FIM DO TUNEL O presidente Michel Temer escapou ileso ao julgamento no TSE. Ao ver rejeitada a tese de que houve abuso de poder político e econômico na eleição da chapa Dilma-Temer, o presidente ganhou novo fôlego em meio à crise política que o tragou desde a delação dos donos da JBS
HÁ LUZ NO FIM DO TÚNEL O presidente Michel Temer escapou ileso ao julgamento no TSE. Ao ver rejeitada a tese de que houve abuso de poder político e econômico na eleição da chapa Dilma-Temer, o presidente ganhou novo fôlego em meio à crise política que o tragou desde a delação dos donos da JBS (Crédito: Igo Estrela/Folhapress)

 

Temer, contudo, ganhou sobrevida. O julgamento foi marcado por embates entre o ministro relator Herman Benjamin e 109ministros alinhados com Gilmar Mendes, o presidente do TSE. A Benjamin alinharam-se os ministros Luiz Fux e Rosa Weber, enquanto que na outra ponta Gilmar ganhou o reforço de Napoleão Nunes Maia, Tarcísio Vieira e Admar Gonzaga. A divisão dos dois grupos se manifestou sobretudo nas divergências como no caso da inclusão das delações de Marcelo Odebrecht e dos publicitários João Santana e Mônica Moura no mérito do julgamento. O Planalto considerou, durante todo o tempo, que o ministro Gilmar Mendes era fundamental no desfecho do julgamento e na sua capacidade de articulação com Napoleão, Tarcísio e Admar para consumar a maioria necessária de quatro votos a favor de Temer. O ministro relator do caso, chegou a aumentar o tom de voz ao defender as declarações dos executivos da Odebrecht, indicando que houve a utilização de dinheiro de caixa dois na campanha. “Quem quiser rasgar decisão (do tribunal que determinou a investigação sobre a Odebrecht), que o faça sozinho”, advertiu Benjamin.

Em sua vez de discursar, o ministro Tarcisio Vieira Neto, que foi indicado por Temer para substituir Luciana Lóssio, foi enfático ao se posicionar pela absolvição da chapa. Ao proferir declaração sobre a utilização dos depoimentos dos executivos da Odebrecht, disse que haveria risco de causar surpresas em um processo em andamento. Portanto, não julgava lícita a inclusão deles no processo. “Ocorre, porém, que os fatos estranhos à causa de pedir não podem ser consideradas no julgamento de hoje”, explicou o ministro.

Marcelo Odebrecht disse a Herman Benjamin que pagou R$ 50 milhões em propinas para a campanha de Dilma como contrapartida à votação de uma medida provisória em 2009 que beneficiou a Braskem, petroquímica controlada pela Odebrecht. Segundo ele, a ex-presidente petista tinha total conhecimento dos pagamentos de caixa dois, inclusive no exterior, e ratificou ter sido ela quem indicou o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega como intermediário dos acertos espúrios, em substituição ao também ex-auxiliar Antonio Palocci. O dinheiro teria sido captado para a campanha de Dilma de 2010, mas só foi utilizado quatro anos depois, justamente no pleito de 2014.

CARGA PESADAMais de 8 mil páginas de documentos compuseram o processo aberto para julgar a chapa Dilma-Temer
CARGA PESADA Mais de 8 mil páginas de documentos compuseram o processo aberto para julgar a chapa Dilma-Temer (Crédito:Ailton de Freitas)

Ao defender a inclusão das delações da Odebrecht, Herman Benjamin foi irônico. “Só os índios não contactados da Amazônia não sabiam que a Odebrecht tinha feito colaboração premiada com a Justiça”. Mas Gilmar Mendes insistiu que isso não deveria acontecer. “Teria que manter o processo aberto e trazer as delações da JBS e, talvez na semana que vem, as do Palocci”.
Esse debate durou de terça a quinta 8. Na ocasião, os ministros acordaram que a utilização da delação e depoimento dos executivos da Odebrecht seria analisada juntamente com o mérito, de acordo com a convicção de cada um dos sete membros do plenário. Quem iria votar pela cassação, usaria os depoimentos com base para pedir a impugnação da chapa. Já os magistrados que votariam contra, fariam vista-grossa aos termos declaratórios.

O julgamento também teve momentos hilários. Quando Benjamin falava que recursos financeiros para a campanha chegaram a ser entregues em “inferninhos” (casas noturnas), o ministro Gilmar Mendes o interrompeu. “Vossa Excelência não teve de fazer investigações nesses locais?” Benjamin respondeu que não foi “preciso usar os poderes de provas”. “Não expandiu, então?”, voltou a brincar Gilmar. Mas Benjamin deu a volta por cima: “Não, mas se Vossa Excelência quiser propor…” Fez-se silêncio no tribunal. “Imagino que não”, concluiu Benjamin.

CANDIDATO ?Joaquim Barbosa assiste ao julgamento do TSE um dias depois de ter sido chamado de “negro de primeira linha” pelo ministro Luiz Roberto Barroso
CANDIDATO? Joaquim Barbosa assiste ao julgamento do TSE um dias depois de ter sido chamado de “negro de primeira linha” pelo ministro Luiz Roberto Barroso

A sessão de quinta-feira, porém, foi marcada também por gafes. A maior delas foi protagonizada por Benjamin. O relator provocou risos nas galerias ao confundir o nome do presidente Gilmar Mendes com o de Michel Temer. “Agradeço ao presidente Michel Temer”, disse ele, se dirigindo a Gilmar. Em seguida, tentou se corrigir, fazendo troça com o próprio infortúnio. “O outro (Temer) é presidente também, mas é réu aqui”, disse ele.

“Só os índios não contactados da Amazônia não sabiam que a Odebrecht tinha feito colaboração premiada com a Justiça”
Herman Benjamin, relator do TSE

Outro assunto que contaminou o debate foi o uso de caixa dois na campanha. “Há confusão entre propina e caixa 2. São duas hipóteses ilícitas, mas aqui nos autos vi casos tocantes de candidatos que não queriam receber caixa 2 e que foram obrigados a receber em caixa 2”, disse Gilmar Mendes. A resposta de Benjamin veio de pronto: “Pelo que entendi, estamos no processo mais importante da história do TSE para examinar caixa um, mas não caixa dois?”.

“Não carrego o caixão”

A troca de farpas entre Benjamin e Mendes também teve destaque no julgamento. Mendes insinuou que Benjamin estava querendo aparecer, ao que o relator retrucou. “Vossa Excelência (Mendes) sabe que eu prefiro o anonimato, muito mais (…) Eu não escolhi ser relator, preferia não ter sido”. Mas Mendes não se fez de rogado. “Essa ação só existe graças ao meu empenho, modéstia às favas. Vossa Excelência (Benjamin) é relator, tá brilhando aí na televisão”.

NA TELINHA Durante quatro dias, os brasileiros ficaram à frente da TV para acompanhar os desenlace do julgamento no TSE
NA TELINHA Durante quatro dias, os brasileiros ficaram à frente da TV para acompanhar os desenlace do julgamento no TSE

A sessão foi retomada na sexta-feira, com o término da leitura do cansativo voto do ministro Benjamin em defesa da cassação da chapa Dilma/Temer, “pelo conjunto da obra”. Ciente de que as provas contra a chapa eram escandalosamente fortes, mas já temendo que sua tese seria rejeitada, o relator antecipou o que seria o final do julgamento. “Eu, como juiz, recuso o papel de coveiro de prova viva. Posso até participar do velório, mas não carrego o caixão”. Depois do voto de Napoleão Nunes Maia pela absolvição da chapa, o vice-procurador eleitoral Nicolau Dino desejava impugnar o o ministro Admar Gonzaga, alegando que ele já foi advogado de Dilma. Houve uma comoção no plenário.“Isso não vai me constranger”, disse Admar, que também votou pela absolvição da chapa. O pedido foi rejeitado por 7 a 0. O clima ficou tão pesado, que Gilmar Mendes suspendeu a sessão por alguns instantes. Na volta à votação, Tarcísio Vieira também votou contra a cassação. O voto de Benjamin foi seguido por Luiz Fux e Rosa Weber, como já era esperado. Mas os três foram derrotados pela turma de Gilmar Mendes (Admar, Napoleão e Tarcísio), seguindo o script desenhado desde o início da sessão do TSE: a absolvição da chapa. Até Gilmar dar o último voto, o placar estava empatado em 3 a 3. Gilmar deu o voto minerva em favor da absolvição. “Tem que interpretar a Constituição à luz da realidade institucional que nós vivemos”, afirmou Gilmar. Agora, se não houver fatos novos, a tendência é que o governo recomponha sua maioria no Congresso para voltar a aprovar as reformas, indispensáveis para o País retomar os trilhos do desenvolvimento.