“A Garota no Trem” seduziu os leitores (principalmente as leitoras) com um thriller psicológico envolvendo três mulheres insatisfeitas com suas vidas amorosas. A principal delas, a do título, é uma alcoólatra divorciada que inveja os casais sorridentes que ela observa da janela do trem todos os dias. Conforme a trama se desenrola, até quem parece feliz revela viver apenas de aparências, com a narrativa entrelaçando o destino das heroínas com algo ainda pior: um crime passional. Com mais de 15 milhões de exemplares vendidos (110 mil deles no Brasil), o livro escrito por Paula Hawkins automaticamente despertou o interesse de Hollywood, ganhando uma versão cinematográfica na linha de outras adaptações de romances policiais envolvendo mulheres com problemas de relacionamento – e não os tradicionais detetives. No rastro de “Os Homens que Não Amavam as Mulheres”, lançado em 2011, e “Garota Exemplar”, em 2014, ambos dirigidos por David Fincher, “A Garota no Trem” estreia nesta quinta nos cinemas do Brasil. A seguir, os principais trechos da entrevista que o diretor Tate Taylor e a atriz Emily Blunt, no papel da voyeur solitária, concederam ISTOÉ, em Nova York.

Por que as mulheres gostam tanto do livro? Seria uma espécie de alerta, considerando que as personagens aqui acabam sofrendo demais por serem dependentes de uma relação amorosa?
Emily Blunt – Talvez. Só acho importante não vê-las como vítimas. A maneira como elas vão se ajustando diante das frustrações amorosas é uma forma de empoderamento feminino, sobretudo quando elas percebem a verdade sobre seus homens, libertando-se. O filme discute a questão da identidade da mulher, principalmente no ambiente doméstico.

Tate Taylor
– Apesar de elas dependerem de um homem, a figura masculina acaba ajudando-as a chegarem até onde elas precisam. Rachel (Emily Blunt) quer desesperadamente um filho, enquanto Megan (Haley Bennett) usa os homens para sexo, por ela não conseguir sentir nada emocionalmente. Já Anna (Rebecca Ferguson) almeja uma vida familiar idílica, ainda que seja de mentirinha, precisando de um homem para isso. Com o crime, fica evidente o que pode acontecer quando as mulheres buscam a realização de um desejo a qualquer preço, ainda mais se a relação a dois for falsa.

Houve uma preocupação no sentido de não banalizar a violência doméstica?
Tate Taylor – Sim. Eu só ganhei o apoio da escritora quando a convenci de que não desviaria da violência ou da sexualidade contidas no livro. Procurei retratar tudo de forma crua e realista justamente para mexer com o espectador.

Emily Blunt
– Só aceitei participar do filme quando percebi que tudo seria representado de forma real e brutal. Não estaria de acordo se a intenção fosse trivializar, glorificar ou sensacionalizar a violência contra a mulher. Ela incomoda o espectador por trazer realismo.

Incomoda as comparações que “A Garota no Trem” tem recebido, principalmente com “Garota Exemplar”?
Tate Taylor – “Garota Exemplar” ganhou projeção mundial por desvendar lentamente quem teceu uma trama ardilosa. Aqui o foco é outro, à medida que ele cai sobre três personagens complexas. Exceto pelo “garota” no título, não vejo muitas semelhanças. Mas entendo por que isso é feito. Para ser honesto, quando eu preciso apresentar uma ideia de filme pela primeira vez a um estúdio, também faço referências. Uso uns três filmes já existentes para dar uma ideia do que estou falando (risos).

No livro, boa parte da história da protagonista Rachel se passa na mente dela. Foi complicado traduzir isso no cinema?
Tate Taylor – Foi. Não só pela ação ser mais interna, na cabeça da personagem, como também pela narrativa avançar e voltar no tempo e por trazer vários pontos de vista, incluindo o das duas outras mulheres. Muito do que Rachel diz no livro é diretamente para nós, leitores. Com isso, ela fica divertida às vezes. O problema é que não havia espaço para cenas engraçadas no filme. Tive de escolher cirurgicamente o que ela diria e não diria.

Emily Blunt
– Eu busquei retratar uma alcoólatra com autenticidade, mostrando como as pessoas sofrendo disso ficam confusas às vezes. Vi muitos documentários e falei com amigos que estão em recuperação ou já se recuperaram para tentar entendê-los. Como no cinema não dá para dizer toda hora o que o personagem está pensando, a linguagem corporal deve assumir parte desse papel. Foi o que tentei fazer.
A que vocês atribuem o sucesso do livro?

Tate Taylor
– Todos nós gostamos de fofocas, mesmo quem não gosta de admitir (risos). Adoramos saber o que está acontecendo com nossos amigos, inimigos e conhecidos. Se eles não estiverem felizes, melhor ainda (risos). Assim, nós provavelmente nos sentimos melhor sobre nós mesmos. Paula Hawkins fez isso muito bem no livro, apresentando três mulheres que nos contam seus segredos mais sombrios em primeira mão. Sentimos como se elas estivessem falando conosco, revelando coisas ultrajantes que instigam a nossa imaginação e nos impedem de parar com a leitura.

Emily Blunt
– A plateia feminina quer se identificar com as mulheres dos livros e dos filmes. E para isso as personagens precisam apresentar falhas e, de preferência, encarar uma jornada cheia de adversidades. De certa forma, isso se torna um consolo, ao percebermos que não estamos sozinhos no sofrimento humano.