Há um princípio consagrado no direito penal, seja qual for o idioma em que ele estiver escrito: “o que não está no processo não existe no mundo”. Se tal regra valerá ou não para o TSE (e espera-se que valha), isso a sociedade brasileira verá no início do próximo mês, quando será retomado o julgamento da chapa Dilma-Temer.

Trata-se de ação que a acusa de cometimento de abuso de poder político e econômico na campanha de 2014, por ter supostamente se beneficiado de recursos advindos do esquema de corrupção na Petrobras. O que está em jogo nesse processo, portanto, é a acusação de eventual uso de dinheiro sujo, e a ela o TSE tem de se limitar ao avaliar a questão.

Assim, os ministros não devem e não podem trazer objetivamente para os autos e subjetivamente em suas almas os fatos recentes que envolvem o presidente Michel Temer, a partir da delação premiada de Joesley Batista, dono da JBS. Se permitirem que a delação pese na decisão, estarão então saindo do processo. Em tempo: estarão também promovendo um tremendo imbróglio legal.65

Já está colocado nas mãos da sociedade brasileira, aliás, um embrulho bastante malfeito, amarrado com nó difícil de desatar — e quem nos deu esse presente foi o Ministério Público Federal. É extremamente heterodoxo nas nossas normas de persecução penal a utilização de um infrator infiltrado para se chegar a outros possíveis infratores.

Foi, no entanto, tal estratégia que a PF e o MPF seguiram recentemente. Mais: o MPF validou as provas colhidas dessa forma, por meio de um gravador camuflado no corpo de Joesley Batista com o qual ele registrou conversas com altas autoridades dos poderes executivo e legislativo na esfera federal.

Mostrado o embrulho, agora mostro o nó: o MPF não teve sequer o cuidado de verificar a veracidade daquilo que falou que estava gravado. Agiu com açodamento, e a consequência é que Temer passou a ser formalmente investigado com base numa acusação ausente nas gravações.

Diz-se que ele deu explícita anuência a Joesley quando o empresário lhe relatou que estava comprando o silêncio de Eduardo Cunha. Pois bem, não existe tal diálogo nas gravações – e se ele não está no mundo das provas, como pode existir no universo de um inquérito e eventual processo? A falha do MPF é imperdoável. Não bastasse isso, Joesley foi premiado com a extinção de culpabilidade na área penal, questionável diante da lei 12.850 (artigo 4º, parágrafo 4º, inciso I).

O delator merece prêmios como, por exemplo, atenuações de penas. Tais prêmios não podem, porém, se traduzirem em um eterno habeas corpus (o STF já cogita revê-los). O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, alega que “por meio convencional de investigação” não se obteriam as informações. A democracia e o Estado de Direito se assustaram: qual é o limite, para Janot, no uso de meios excepcionais para investigar um caso?

Aperta ainda mais o nó a insistência com a qual Janot declara não ser relevante o fato de não constar da gravação a frase que embasa o inquérito. Ele também afirma que o protesto de diversos setores da sociedade contra a impunidade do delator desvia o foco da questão central. Centrais e relevantes para Janot deveriam ser, nesse momento, outras duas questões.

A primeira: um procurador está preso sob a suspeição de corrupção. A segunda: notícias dão conta de que um dos promotores responsáveis pela delação da JBS protagonizou há dois anos uma polêmica porque teria admitido em um processo a utilização de áudio editado por delator. O caso foi arquivado já que as perícias se mostraram inconclusivas.

É difícil saber quais serão os desdobramentos da crise, mas de um ponto tenho certeza. Seja por decisão do TSE (cassação de mandato), seja por decisão do Congresso (impeachment), seja por decisão das ruas (manifestações populares), seja por decisão das elites (a cara da nossa República), em havendo vacância na Presidência tem de valer o artigo 81 da Constituição que determina eleição indireta. A Constituição deve ser respeitada a cada solavanco do País. Conclamo, assim, todos os brasileiros: À CONSTITUIÇÃO, CIDADÃOS!