Na semana passada, Felipe Massa anunciou sua aposentadoria na Fórmula 1 para este ano. Põe fim a uma carreira de 11 vitórias, 16 poles e 936 voltas na liderança. E logo surgiu nas redes sociais uma polêmica. Quem foi melhor: Felipe ou Rubinho? Para comparação, Rubens Barrichello conseguiu 11 vitórias, 14 poles e 854 voltas na liderança. Assim como Felipe, sua melhor fase foi na Ferrari. Nenhum dos dois conseguiu ser campeão (Rubinho foi vice em 2002/2004; Felipe em 2008), mas juntos eles ajudaram o Brasil e somar 101 vitórias, 126 poles e 6.880 voltas em primeiro lugar.

Números, porém, não dizem tudo. E nem é deles que eu quero falar. Aproveitando que está acontecendo em São Paulo a exposição Beatlemania Experience, é também disso que pretendo tratar aqui. Faz algum tempo que trabalho num projeto chamado “Os homens que sabiam demais”. Nessa pesquisa, comparo aspectos da genialidade dos Beatles com a dos grandes pilotos do automobilismo brasileiros. Agora que a Fórmula 1 está em baixa, isso pode soar absurdo, mas o mundo do grand prix teve muitos gênios em sua história.

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Quem conhece bem a história da Fórmula 1 e é fã dos Beatles, certamente vai entender essa minha tentativa de ligar os pontos em dois assuntos que adoro. Dito isso, quem seria quem?

Como se sabe, os garotos de Liverpool foram John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr. Quase sempre apresentados nessa ordem porque foi a ordem de influência na criação da maior banda de rock de todos os tempos. Mas houve outros além dos “Fab Four”, menos famosos, como Pete Best (o baterista que perdeu o lugar para Ringo) e Stuart Sutcliff (baixista da fase inicial dos Beatles), além do empresário Brian Epstein e do produtor George Martin. Sem contar ainda que a grande inspiração de John Lennon se chamava Elvis Presley.

Na Fórmula 1, o Brasil ganhou oito campeonatos mundiais com Emerson Fittipaldi (1972/1974), Nelson Piquet (1981/1983/1987) e Ayrton Senna (1988/1990/1991), mas também brilhou com José Carlos Pace, que contribuiu para as 101 vitórias ao triunfar no GP do Brasil de 1975, além de marcar uma pole e andar 50 voltas em primeiro lugar. Emerson ganhou 14 provas (mais seis poles e 478 voltas na liderança), Nelson venceu 23 (com 24 poles e 1.600 voltas em primeiro) e Ayrton faturou 41 corridas (com 65 poles e 2.931 voltas na frente de todo mundo, inclusive quando sofreu o acidente que o matou). Antes deles o Brasil ainda teve o pioneirismo de Chico Landi, que disputou apenas seis GPs na Fórmula 1, mas brilhou no chamado Circuito de Grand Prix, considerado a pré-história da F1, ao vencer o GP de Bari de 1948, na Itália, ao volante de uma Ferrari.

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Eram gênios. Sabiam demais. Tanto os músicos quanto os pilotos.

É incrível como as personalidades e os papéis dessas pessoas se confundem. Sem contar que Emerson Fittipaldi e George Harrison eram amigos. Quando o piloto brasileiro sofreu um sério acidente da Fórmula Indy, George chegou a fazer uma variação de sua fabulosa música “Here comes the sun” em homenagem ao amigo, cantando ao violão: “Emerson! Emerson! Emerson! Fittipaaldiiii”.

Mas, afinal, quem era quem?

Sem me estender ou me aprofundar, para não fazer spoiler de meu próprio trabalho, digo que…

RUBENS BARRICHELLO seria RINGO STARR. Claro. Ringo sempre foi considerado o menos talentoso dos quatro. Rubinho também nunca teve a mesma fama dos Três campeões. Mas, assim como os Beatles só chegaram ao estrelato quando Ringo se juntou a John, Paul e George, foi Rubinho quem segurou a paixão brasileira pela Fórmula 1 depois da morte de Senna. E ambos são disparado os mais simpáticos de todos eles. Brincam. Seguem a vida em paz, com a certeza de que não foram genais como seus colegas, mas que sem eles não haveria um quarteto. E Ringo foi o melhor baterista que os Beatles podiam ter.

FELIPE MASSA seria PETE BEST. Da mesma forma que muitos acham que Felipe é melhor que Rubinho, Pete até hoje tem muitos fãs que preferiam os Beatles em sua versão original, aquela que tocava no Cavern Club de Liverpool, com Pete no lugar de Ringo. Felipe não foi campeão em 2008 por falta de sorte. Pete Best só saiu dos Beatles porque George Martin exigiu: “Troquem o baterista”. Mas era o mais amado na época, o mais bonito, o que mais tinha fãs. Depois de muitos anos na amargura, Pete Best, rindo da própria sorte, fez pilhéria com seu destino: “Quando me perguntam o que acho dos Beatles, eu respondo. John: gênio. Paul: gênio. George: gênio. Ringo: baterista”.

JOSÉ CARLOS PACE seria STUART SUTCLIFF. Pace, conhecido como Moco, era contemporâneo e amigo de juventude de Emerson Fittipaldi, o primeiro a fazer sucesso na F1. Sutcliff, conhecido como Stu, era amigo de infância de John Lennon, o primeiro a fazer sucesso como músico. Talvez não fizesse tanto sucesso quanto se esperava dele. Talvez sim. Provavelmente sim. Moco faleceu num acidente aéreo, com apenas 32 anos. Stu foi o primeiro baixista dos Beatles. Morreu de hemorragia cerebral quando tinha apenas 21 anos.

EMERSON FITTIPALDI seria GEORGE HARRISON. Além da amizade que os ligava, ambos eram gênios no que faziam. Os títulos de Emerson e as músicas de George deixaram marcas inesquecíveis na Fórmula 1 e na história do rock. Mas ambos foram de um tempo em que havia dois outros gênios ao lado deles. Por isso, apesar de amados e adorados por seus fãs, são considerados gênios-coadjuvantes nessa história.

CHICO LANDI seria ELVIS PRESLEY. Assim como John Lennon se inspirou no Rei do Rock, o pioneiro Chico Landi, heróis das corridas do Circuito da Gávea, no Rio de Janeiro, teve papel importante na fase inicial de Emerson Fittipaldi. Entretanto, esse é um item que pretendo pesquisar mais, pois o verdadeiro ídolo de Emerson nas pistas era o argentino Juan Manuel Fangio. Por ora, cabe a Chico Landi o papel de Elvis Presley, mas pode mudar.

NELSON PIQUET seria JOHN LENNON. O fato de serem os mais famosos, provavelmente os mais amados, talvez os melhores, leva muita gente a achar que Ayrton Senna seria John Lennon. O fato de ambos teremos morrido cedo, com muita carreira pela frente, reforça essa tese. Mas, conhecendo as personalidades de todos eles, e principalmente a forma como encaravam a profissão, fica claro para mim que Nelson seria o John. E eu digo o porquê. Nelson era o tipo do piloto que não tinha que provar nada para ninguém. Suas vitórias e seu talento bastavam. Abria mão, às vezes, de algumas vitórias, porque não precisava delas para ganhar o campeonato. Não era um perseguidor implacável de recordes, como Ayrton. John também. Por ele, talvez os Beatles tivessem acabado logo depois do álbum Revolver (1966). Mas seguiu porque o talento de Paul o “provocava”. John era um revolucionário. Assim como Nelson revolucionou as corridas ao fazer pit-stops que o levaram mais facilmente às vitórias, em 1983, John mudou tudo ao compor “Strawberry Fields Forever”, uma música intimista. Só assim despertou ainda mais a genialidade de Paul, que ouviu aquilo e disse algo como:  “Podemos fazer música assim?” Daí saiu “Penny Lane” e muitas outras. Segundo a biografia escrita por Bob Spitz, quando viu McCartney tocar pela primeira vez, Lennon pensou: “Esse cara é bom. Talvez tão bom ou até melhor do que eu”. Não duvido que Piquet tenha pensado o mesmo de Senna quando ele chegou à Fórmula 1, em 1984, quando já era bicampeão.

AYRTON SENNA seria PAUL McCARTNEY. Além dos motives já expostos acima, Ayrton seria o Paul porque ambos tinham uma obsessão pela perfeição. Por ir além. Por querer mais. Por fazer mais. Para Senna, não bastava ganhar. Ela queria ganhar batendo recordes. Para McCartney, não bastava fazer um disco: ele queria criar coisas inimagináveis, como o álbum Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band. Além disso, Ayrton sempre fez o papel de menino bonzinho dentre todos – mas não tinha nenhum pudor em jogar o carro em cima dos adversários se fosse preciso. Paul também sempre foi o bonzinho, só que não: muitas vezes foi extremamente autoritário com os demais, na fase final dos Beatles, e ainda passou por cima de todos ao anunciar que estava deixando a banda. De qualquer forma, pelo talento incrível, pela capacidade de tirar leite de pedra, de ganhar com carros ruins, de dirigir na chuva como se estivesse no seco, por ser rápido e estrategista ao mesmo tempo, não resta dúvidas de que Ayrton Senna foi o maior piloto brasileiro de todos os tempos. De seu lado, pela facilidade inigualável de fazer canções que amamos, por sua musicalidade incomparável, pela capacidade que sempre teve de compor, cantar e tocar vários instrumentos divinamente, por também tirar leite de pedra como Senna, Paul McCartney, para mim, foi o maior entre todos os Beatles.



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