Em 1958, enquanto o Brasil comemorava a sua primeira Copa e um menino de 17 anos, gênio com a bola nos pés, despontava para o mundo, um dos maiores filósofos do século XX também nascido com a vocação da genialidade desembarcava em sua terra natal: o alemão Eric Voegelin. Quando lá chegou oriundo da Luisiana (EUA), convidado pela Universidade de Munique para assumir a cátedra de ciências políticas, estava em curso no País um processo de “desnazificação”. O governo o vendia como uma expiação do passado nazista, baseada no senso de culpa coletiva – na verdade uma maneira de culpar toda uma sociedade sem imputar a culpa a ninguém individualmente, o que atendia às conveniências de um governo apinhado de integrantes do pelotão de frente de Hitler.

Em suas aulas, Voegelin desmascarava a falácia da culpa coletiva. Era necessário, pregava ele, um exame individual e profundo de consciência de modo a provocar uma conversão pessoal tendo como ponto de partida uma espécie de “descida aos infernos”. Com base nisso, Voegelin reintrojetou na academia o conceito do “homem maduro”, o equivalente ao spoudaios de Aristóteles – o indivíduo que extraiu o máximo de suas capacidades e aprendeu que governar os outros é antes de tudo governar a si mesmo, domando seus sentimentos mais recônditos. Uma pessoa capaz de conhecer a profundidade da sua alma e da de seus governados porque desceu ao inferno do autoconhecimento e de lá emergiu com o desvelamento da própria alma. Por não ser apenas alguém que ordena, mas que personifica os anseios da população, torna-se um líder autêntico, com liderança existencial.

Sei que é pedir muito, mas depois da sensação de terra arrasada que se abateu sobre a política após a Lava Jato é o que se espera de um governante no Brasil – um líder autêntico que toque a alma do povo e seja capaz de compreender o âmago de suas necessidades. Mas não chegaremos até lá ou até ele num passe de mágica. É preciso “descer aos infernos” a fim de transformar uma sociedade abatida por uma crise moral sem precedentes. De maneira semelhante ao que ocorreu na Alemanha, só que em lugar da “desnazificação” promover uma “descorruptização”.

É hora de mudar práticas pessoais, pôr fim ao jeitinho, desde o suborno ao guarda de trânsito ao fura-fila de hospital. Outro passo consiste em exterminar, por meio do voto, todo um sistema político viciado e corrupto. O remédio é a depuração pelo voto. Que a penitência coletiva, no entanto, não sirva para, como pontificava Voegelin, camuflar o mais importante: a responsabilidade individual. Sabemos muito bem sobre os ombros de quem ela pesa.

Temos que promover no Brasil uma “descorruptização” 

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