Parecia o paraíso. Uma exuberante paisagem verdejante fascinava homens e mulheres que viviam circundados por vastos gramados, pontuados por lagoas sombreadas pelas copas de altas árvores. As chuvas constantes faziam florescer uma enormidade de espécies de plantas. Entre os habitantes, estavam hipopótamos, girafas e cervos. Era o local ideal para uma raça que prosperava a olhos vistos. Nessa época, há oito mil anos, humanos começavam a descobrir a agricultura e a pecuária. Como não poderia deixar de ser, as inovações foram aplicadas sem demora também nessa região, porém com resultados catastróficos. Num período de poucos milhares de anos, um piscar de olhos para mudanças climáticas, esse Éden se transformou no Saara, o maior deserto do mundo. Teorias existentes diziam que a mudança ocorreu naturalmente, mas uma nova pesquisa feita pela Universidade Nacional de Seul, na Coreia do Sul, mostra que foi o homem o responsável pelo cataclismo. “Foi a primeira vez em que impactos de larga escala na natureza foram feitos por humanos”, afirmou à ISTOÉ David Wright, responsável pela descoberta. “Pequenas mudanças que pessoas fizeram no ambiente criaram um efeito cascata, afetando o clima.”

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Aridez

Como uma comunidade pré-histórica foi capaz de provocar uma mudança digna de cenários pós-apocalípticos? Entre 11 e 8 mil anos atrás, o Saara possuía o deslumbrante horizonte descrito no parágrafo anterior. Dali em diante, seus habitantes passaram a fazer plantações que expunham o solo, além de criar animais que esgotavam a vegetação dos pastos. Esses locais viraram ilhas de devastação que refletiam mais luz do sol e criavam cadeias de alta pressão, impedindo a entrada de umidade. O processo se espalhou, num efeito dominó, desertificando completamente a região, há cerca de 5 mil anos. Casos semelhantes foram documentados há 6 mil anos no leste da Ásia, e ainda durante as colonizações dos Estados Unidos e da Nova Zelândia.

Pesquisas anteriores defendiam que o processo se dera por causas naturais, uma mudança no eixo do planeta. No entanto, o estudo descobriu que o fenômeno foi mais rápido ao redor de locais com agricultura e pecuária humanas. Outro trabalho, de 2015, que mostrou um aumento exponencial da população do Saara no período, parece reforçar a conclusão. De acordo com ele, houve um súbito pulo de densidade populacional há 11 mil anos. O pico aconteceu entre 8 e 6 mil anos atrás, época de desertificação acelerada. Com o clima ficando árido de vez, o número de pessoas despencou no local. “Processos naturais certamente levaram o sistema ao limite. Minha hipótese é que, em certos lugares, os humanos amplificaram os efeitos”, diz Wright.

 “As mudanças que as pessoas fizeram no ambiente criaram um efeito cascata e afetaram o clima” David Wright, arqueólogo
“As mudanças que as pessoas fizeram no ambiente criaram um efeito cascata e afetaram o clima” David Wright, arqueólogo (Crédito:G.H. Shepard)

Daqui para frente, devem ser coletadas mais evidências nas beiras dos antigos lagos para descobrir precisamente o que ocorreu. Além de explicar a origem de um dos maiores marcos geográficos do mundo, a pesquisa serve de alerta para evitar a desertificação em outras partes ameaçadas do planeta, inclusive no Brasil. Em parceria com o Museu Goeldi, de Belém (PA), o mesmo arqueólogo desenvolve estudos no País para descobrir como presença ou ausência de terra preta no solo afetou a precipitação e a fertilidade na região em 2 mil anos. “A vegetação é um fator crucial para a chuva. Se cortarmos as árvores na Amazônia, vai parar de chover”, diz Wright. “Os pastores do Saara não sabiam disso no passado. Como hoje sabemos, a sociedade brasileira precisa valorizar seus recursos naturais.”

 

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