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Frederic Jean

Após meses de indefinições políticas, degradação econômica, ebulição nas ruas e radicalização de discursos, o País assistiu à saída de Dilma Roussef do poder, um anseio da maioria dos brasileiros, e a chegada de Michel Temer à Presidência. Neste delicado momento de transição, no qual a nação está submersa numa severa crise, é chegada a hora de acalmar os ânimos e buscar a estabilidade. Só assim será possível sair da recessão que castiga, indistintamente, os brasileiros. Nos Estados Unidos há tradicionalmente uma trégua de cem dias para avaliar o desempenho dos mandatários recém-chegados ao posto. O armistício informal foi instituído no governo de Franklin Delano Roosevelt, em 1933, durante a Grande Depressão. Ele assumiu após os quatro anos desastrosos do mandato de Herbert Hoover (1929-1933), momento em que bancos e empresas quebravam, trabalhadores estavam ameaçados de perder suas casas e a população americana clamava por uma reação. No Brasil de 2016, a situação é menos grave. Mas a economia só irá se reerguer se todas as frentes, situação e oposição, compreenderem que agora não é o momento para disputas eleitorais – isso deverá ser feito apenas em 2018. Mais do que uma trégua de cem dias, o País precisa se pacificar. “Os conflitos impedem o crescimento”, afirma o cientista político Gaudêncio Torquato. “É preciso pacificação para todos darem as mãos e o Brasil poder voltar a trabalhar.” Segundo ele, com uma economia ajustada, será possível resgatar a confiança popular, fazer com que o bolso do consumidor fique mais cheio e reconquistar a almejada harmonia social.

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Gustavo Oliveira

A tensão social, criada e alimentada pelo PT, que desenvolveu o lema do “nós contra eles”, ainda está muito latente. E pode ser observada justamente entre pessoas ligadas ao partido que estimulou a passionalidade e a luta de classes. Exemplos de inflexibilidades não faltam. Durante discurso no Ministério da Educação e Cultura, o ministro Mendonça Filho foi bombardeado por vaias e gritos de golpista, além de faixas que o mandavam “vazar” dali. Dias antes, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) teve de interromper suas compras em uma livraria de Brasília porque manifestantes pró-PT se aproximaram dele e começaram a chamá-lo, aos berros, de “traidor” e “golpista”. Abalado, Buarque deixou a livraria e logo depois se manifestou dizendo que os brasileiros precisam começar uma campanha chamada “aperte a mão de seu adversário”. “Começamos com os gritos, passamos para os cuspes, daqui a pouco aparece alguém armado e a coisa não vai parar mais.”

O acirramento dos ânimos é decorrente das provocações nascidas no governo Dilma Rousseff, que causou tensão na população em vez de de trabalhar sua própria base de apoio. Essa é a opinião do cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília. “Ela fazia comícios no Palácio do Planalto ao invés de articular a base dentro do Congresso”, diz o estudioso. Segundo ele, a radicalização tende a declinar. “Os movimentos sociais estão aguardando para ver como o presidente Temer administrará. A pacificação é importante porque o governo precisa aprovar medidas fundamentais como a reforma na previdência, política e trabalhista. Ele vai precisar dessa paz política, por isso está nessa busca de apoio no Congresso.” De acordo com o historiador da Universidade de São Paulo Marco Antonio Villa, o desafio do atual governo será apaziguar os ânimos, apagar o incêndio que o PT criou e dialogar com todos os setores da sociedade. “O clima de intolerância não serve à democracia.”, diz Villa. Segundo ele, o diálogo não era colocado em prática no governo Dilma. “Sabemos que a pluralidade e a divergência também fazem parte da democracia. Cabe a Temer estabelecer pontes com os diversos setores da sociedade.”

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Esta é a hora em que todas as partes devem buscar, se não o diálogo, o respeito e a conciliação. E a classe política tem muito a aprender com a primeira célula de convivência social, a família. Não faltam exemplos de parentes que, mesmo lutando em trincheiras ideológicas distintas, convivem em harmonia. Que o diga a advogada Joanice de Oliveira Rios, 58 anos, e o filho, o contador Eduardo Rios Garcia, 38. Os dois moram um ao lado do outro, e Garcia chega a dizer que é o “xodó” da mãe até hoje.

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Apesar de se darem bem e serem amigos, quando o assunto é política os dois pensam bem diferente e chegam a debater calorosamente. “Mas depois fica tudo bem”, diz Eduardo. Joanice tem uma posição voltada à esquerda e não aprovou o impeachment. Já Eduardo defende arduamente a saída do PT do poder e deixa isso bem claro em suas opiniões, principalmente nas redes sociais. Segundo Paulo Kramer, cientista político da UnB, desde a eleição de 2014 víamos famílias brigando entre si, se desentendendo, num verdadeiro fla-flu ideológico. A sociedade está cansada disso. “A proposta do presidente interino Michel Temer de pacificação vai encontrar terreno fértil e respaldo social. É preciso entender que o confrontamento de idéias é uma coisa, o clima pré-bélico é outro. Pessoas não podem ser ameaçadas nas ruas por conta de seus posicionamento político”, diz.

 

Para Sônia Fleury, doutora em Ciência Política e professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV), há muito perigo na passionalidade das discussões. “Não acho que exista uma conscientização nem uma discussão política. Há uma mobilização de raiva, ódio e revolta. Assim, o País não avança”, diz. Esse comportamento é perigoso, uma vez que sentimentos extremos podem levar a dificuldades no diálogo, um item fundamental em uma democracia saudável. Ana Maria Rossi, presidente do International Management Association Brasil (ISMA-BR), ressalta o quão prejudicial é envolver raiva e ódio em um cenário como o que estamos vivendo. “É importante que as pessoas percebam que opiniões podem não coincidir e que precisamos assegurar a liberdade de expressar posições diferentes com autocontrole.”

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O casal Marília Rosa, 32 anos, e Peterson Alves, 34 anos, tenta equilibrar as desavenças no dia a dia. Morando juntos há cinco anos, chegaram à conclusão de que o melhor é evitar as discussões, pelo menos por enquanto. Alves e a família sempre tiveram um posicionamento de esquerda. Já os parentes de Marília costumam se manter no centro, com uma inclinação à direita. “Me faço de desentendida e ele faz o mesmo com a minha família”, diz Marília. “A gente até tenta não falar sobre isso, só que às vezes é inevitável.” O aposentado João Sebastião da Cruz, 68 anos, e a filha, Patrícia Cruz, 25 anos, também têm tentando manter o controle, mas com alguma dificuldade. No dia 17 de abril, quando a Câmara dos Deputados votou a favor do processo de impeachment, ele assistiu à sessão na sala, e Patrícia, para evitar o confronto, optou por ficar em seu quarto. Cruz, formado em economia, defende que o governo errou drasticamente na condução do País e que o impeachment é legítimo. Patrícia acredita que não havia argumentos suficientes para que Dilma deixasse o Planalto. Cruz foi aos protestos pró-impeachment, enquanto Patrícia foi às ruas ao lado dos movimentos pró-PT. Os embates costumam ser na mesa, na hora do almoço ou do jantar. “Discutimos bastante e, às vezes, ele me diz que tenho muito que aprender”, diz a filha.

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Para Ana Maria, conversar com calma é a melhor orientação para o bem da saúde mental e das relações interpessoais. “O mais importante é entender que a situação requer tranquilidade. A agressividade faz as pessoas perderem a razão.” Bom humor também ajuda. O empresário Carlos Manzone, 37 anos, e a estudante Camila Eneyla, 29 anos, têm posições políticas distintas. Mas conseguem lidar tão bem com as divergências ideológicas que trocaram as camisetas para o ensaio fotográfico feito para esta reportagem. Ela, pró-impeachmeant, vestiu vermelho, e o companheiro, defensor do governo petista, foi de amarelo. A pluralidade ideológica é defendida pelo cientista político Bolivar Lamounier. “Todos precisam entender que política é uma coisa, violência é outra. E que discordar no plano das ideias é normal e saudável, pois ninguém é dono da verdade.” Lamonier concorda que este é momento de apaziguar o País. “Os dois lados se desmobilizaram e se acomodaram à nova situação. E a revelação do estado assombroso das contas públicas e a boa qualidade do novo ministério também contribuem para a normalização dos ânimos.”

Para os especialistas ouvidos por ISTOÉ, o clima político será apaziguado, já que a vontade da maioria da população foi atendida e Dilma Rousseff foi afastada do cargo. O prognóstico da economia deve melhorar e, com isso, a população também se acalmará. “Os conflitos se multiplicaram em função das desigualdades e tensões sociais, principalmente por causa de inflação, desemprego e baixo crescimento do PIB. Quando esse cenário mudar, o comportamento dos brasileiros também será diferente”, afirma Gaudêncio Torquato. “Estamos vivendo um momento de radicalização, mas avanços na área da reforma política poderão colocar o País na trilha do crescimento novamente.” Por uma questão de civilidade, a regra é exercitar a compreensão e o controle. Já que grande parte dos políticos não consegue fazer isso, que o exemplo venha do povo brasileiro o exemplo.

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Como administrar conflitos

Livro ensina como a mediação pode ajudar a promover o debate saudável de ideias divergentes

A atual conjuntura política somada ao discurso de incitação da raiva propagado por lideranças petistas desenhou uma atmosfera de tensão latente no País. Nesse cenário, uma solução para equilibrar os ânimos é a mediação. A autora do livro “Manual de Mediação – Teoria e Prática na Formação”, Enia Cecília Briquet, explica que intermediar uma discussão ajuda a estabilizar conflitos e, com isso, debater idéias divergentes. “As pessoas estão adotando posições muito antagônicas. Há tempos, não havia discussões como hoje”, diz a pesquisadora. “E no processo da mediação, aprende-se a prestar atenção em coisas que antes eram negligenciadas.”

FOTOS: Frederic Jean; Gustavo Oliveira, Airam Abel