No meio da madrugada do Himalaia, uma brasileira de 35 anos tenta chegar ao cume do Everest enquanto é açoitada por ventos que chegam a 150 km/h e temperaturas de -45 ºC. No caminho, ela encontra os corpos de mais de dez escaladores que, como ela, buscaram a mesma conquista. Ao contrário deles, a médica e alpinista Karina Oliani sobreviveu para contar a história de sua segunda escalada à montanha mais alta do mundo, entre os dias 2 e 22 de maio, dessa vez pelo caminho norte, o mais difícil. Com isso, ela se tornou a primeira sul-americana a realizar o feito, quatro anos depois de sua primeira subida, em 2013, pela face sul. “Eu não sabia que seria a primeira até depois da descida, quando um amigo me contou”, diz Karina. “Foi uma boa surpresa, muito legal.”

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Rota traiçoeira

Entre as rotas para se escalar o Everest, somente duas são usadas com frequência. A brasileira superou ambas. As demais são vias alternativas desbravadas ocasionalmente. A face norte é considerada mais difícil porque os ventos são mais fortes, o gelo é mais traiçoeiro e a subida é mais técnica. Isso significa que é necessário escalar rochas com equipamentos específicos. A complexidade é demonstrada pelos dez cadáveres encontrados no caminho – um dos quais teria morrido poucas horas antes. Lá em cima, devido às condições climáticas, os corpos não podem ser resgatados. Na subida de 2013, pelo sul, Karina não viu nenhum. “É uma coisa que assusta, principalmente à noite, quando você não está vendo e nem esperando”, afirma. “A gente é lembrado de que essa montanha mata a cada hora de escalada.”

A alpinista quase foi derrotada antes mesmo de chegar ao Nepal. O avião em que estava não pôde pousar por conta do mau tempo e ela desembarcou na China. Como a janela de oportunidade em que é possível realizar a subida é muito estreita, por pouco o atraso de um dia não cancelou todo o projeto. Já na base do Everest, depois de semanas de aclimatação, um dos quatro membros da expedição passou mal e cancelou a aventura. Os demais continuaram, saindo do último acampamento às 23h do dia 20 de maio e chegando ao pico às 6h45 do dia seguinte. No meio do caminho, seu pé quase congelou e ela sofreu uma queimadura no rosto devido ao forte vento. “É maravilhoso, mas não é fácil”, diz a médica. “O sofrimento é absurdo, mas é a melhor vista que você vai ter na vida.”

A escalada ajudou a coroar um trabalho solidário que Karina faz há quatro anos. As primeiras ações aconteceram no Nepal, quando ela proveu água encanada a comunidades carentes e construiu uma escola com o dinheiro das vendas de seu livro. Depois, expandiu o projeto para comunidades pobres no sertão do Piauí. Agora, vai comandar uma equipe de médicos na Índia para tentar descobrir as causas de uma doença cardíaca que mata diversas crianças na região de Zanskar, a convite do Dalai Lama.