Enquanto no Parque Olímpico, as escavadeiras abrem espaço para a chegada dos atletas que vão disputar medalhas nos Jogos do Rio-2016, dona Penha, uma mulher de aparência frágil já pode se considerar vitoriosa.

Maria da Penha Macena, de 51 anos, venceu uma longa queda de braço com a Prefeitura para permanecer na Vila Autódromo, comunidade onde vive há 23 anos, e de onde as autoridades municipais queriam desalojá-la para tocar as obras olímpicas.

“Estou satisfeita porque o que eu mais queria era ficar nessa comunidade. Tivemos uma vitória, mas nossa vitória foi pequena. De 600 famílias, ficaram 20”, conta à AFP sob sol forte e em meio à poeira e ao barulho esta faxineira, que virou símbolo da resistência às remoções.

Vivendo em um pequeno contêiner cedido pela Prefeitura, dona Penha aguarda com as demais famílias o término das obras nas vinte casas prometidas pelo município, previsto para o próximo dia 22.

Além das moradias de 56m2, com dois quartos, banheiro, cozinha e quintal, a prefeitura promete erguer duas escolas e uma área de lazer. A associação de moradores, que foi demolida, será reconstruída e a paróquia será mantida.

– O pesadelo de Paes –

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Com o argumento de que a comunidade ficava às margens da Lagoa de Jacarepaguá, e a contaminava, e pela proximidade com o Parque Olímpico, a Prefeitura iniciou as remoções há três anos, derrubando casas, mudando centenas de famílias para apartamentos sociais e, algumas vezes, pagando indenizações milionárias.

A Prefeitura enviou os primeiros tratores à Vila Autódromo em 2013 para derrubar as casas da antiga vila.

Mas dona Penha não quis partir, mesmo depois de ter o nariz quebrado com o golpe de cassetete de um guarda municipal, ao tentar defender um vizinho que seria removido.

A tenaz resistência a transformou no pesadelo do prefeito Eduardo Paes e em um dos rostos mais conhecidos da luta dos moradores na Vila Autódromo, inclusive na imprensa internacional.

A Prefeitura chegou a lhe oferecer R$ 2 milhões para que deixasse a comunidade, mas ela não aceitou.

“Acho que direito não se vende. Felicidade, direito e respeito: isso não tem preço”, afirma, convicta, mas sem criticar os que cederam. “Cada família tem a sua necessidade”.

Um trator da Prefeitura transformou sua casa em escombros em 8 de março de 2016: uma data que ficará para sempre em sua memória.

“Foi como se estivessem acabando um pouco com a história da minha vida”, desabafa. “A minha casa ficava ali, bem onde está aquele caminhão”, diz dona Penha, apontando para o estacionamento do Centro de Mídia do Parque Olímpico.

Naquele 8 de março, a Assembléia Legislativa do Rio a homenageou por ocasião do Dia Internacional da Mulher.

Mesmo sem teto, Maria da Penha não abandonou a comunidade. No mesmo dia, recuperou seus móveis, os levou para a paróquia e começou a viver com a família na casa de vizinhos.

“Podem derrubar a minha casa, mas não vão me derrubar”, disse a jornalistas na ocasião.


Um novo lar

Um plano de urbanização da Vila Autódromo, aprovado pelos moradores e realizado com ajuda de duas universidades (UFRJ e UFF) não foi aceito pela Prefeitura.

Mas, em abril, finalmente, o prefeito anunciou um plano de urbanização, acordado com a defensoria pública, que inclui a construção de novas moradias para 20 famílias, com ruas e saneamento.

Segundo a Prefeitura, das 824 famílias que moravam na Vila Autódromo em 2009, 804 chegaram a um acordo para deixar a comunidade.

A maioria foi viver no “Parque Carioca”, condomínio do programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, a 1,5 km da comunidade.

Boa parte das famílias se diz satisfeita com a mudança, mas outras ameaçam processar a Prefeitura porque os apartamentos já têm problemas, como goteiras e rachaduras.

O processo de negociação não foi pacífico. Em junho, a Anistia Internacional levou dona Penha a Genebra para que contasse sua história no Conselho de Direitos Humanos da ONU e ao Comitê Olímpico Internacional (COI).

O valor milionário de algumas indenizações pagas aos antigos moradores da comunidade reforça a sensação de que os terrenos, vizinhos ao Parque Olímpico, são muito valiosos.

A área é considerada um obstáculo para a ampliação das obras da Carvalho Hosken, construtora proprietária do terreno da Vila Olímpica, parte do consórcio responsável pela construção do Parque Olímpico e principal doadora da campanha à prefeitura de Paes.

“Onde fica o legado do povo?”, pergunta dona Penha. “A palavra Olimpíada quer dizer o quê? União dos povos. E onde é que está tendo união? Eu não vejo união. A minha comunidade, eles destruíram”.

Transformada, a Vila Autódromo resistiu. Mas, para os poucos moradores que restaram, a vitória tem um gosto amargo.


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