Dizem que um acidente de avião nunca ocorre por uma causa isolada.
É sempre uma combinação de fatores, aparentemente desconectados entre si.
O chefe dos mecânicos, casado há mais de vinte anos, foi abandonado pela mulher na véspera da revisão da aeronave.
O cara que apertava o parafuso da respoleta do gambito foi substituído.
O piloto foi levar as crianças na escola e acabou se atrasando.
Uma tormenta que ninguém havia previsto.
Pimba.
Ninguém é capaz de ligar os pontos antes do acidente.
Só depois de meses de relatórios e estudos é que se descobrem as razões.
Mesmo assim, algumas sutilezas nunca aparecem.
As descobertas viram estatísticas.
E a gente acha que aprendeu a lição.
Numa democracia não é muito diferente.
Tudo vai bem até que um dia tudo vai mal.
E pimba.
Na semana que passou pipocaram argumentos minimizando a vitória de Trump.
“No discurso de vitória ele já foi mais conciliador” – dizem alguns.
“Treino é treino, jogo é jogo” – insistem.
Como nos acidentes de avião não ligamos os pontos.
Estamos limitados as nossas próprias vidinhas mundanas e contextos pessoais.
Não somos capazes de rever a história e constatar a farta ocorrência de destruições, guerras, genocídios, fascismo e afins.
Pior que isso, com os erros passados acreditamos – equivocadamente – que aprendemos alguma lição que evitará erros futuros.
Não enxergamos os próprios erros que estamos a repetir faz pelo menos quatro mil anos.
Difícil avaliar, no presente, nossa incompetência como raça.
A democracia é cíclica.
Leva à liberdade, que leva à igualdade, que [pode] levar à tirania.
O cão da liberdade morde seu próprio rabo.
Elites ameaçadas, somadas à burrice coletiva, movidos por promessas nacionalistas ocas já fizeram estragos de proporções devastadoras.
Mas a gente se recusa a ver, quem sabe em autodefesa.
Na contra-mão, as revistas New Yorker e Newsweek da Europa trazem dois ensaios que alertam sobre o perigo que Trump representa, sem panos quentes.
Não Trump em si, mas a tempestade perfeita que começa a se desenhar pelo mundo.
O Brexit, Putin, a ascensão da direita na Europa, a xenofobia e agora isso.
Apoiado num discurso vazio como manda a cartilha, Trump agora tem o código da destruição do mundo.
“Vamos construir um muro e fazer o México pagar por ele”
Não aprendemos nada mesmo.
“Vamos construir uma América grande de novo”

A democracia é cíclica.
Leva à liberdade, que leva à igualdade, que
[pode] levar à tirania.
O cão da liberdade morde seu próprio rabo

O que esse apelo significa senão nada?
Alguém tem dúvida de que a América já seja grande?
Apelar para o nacionalismo é marca da pré-tirania.
Nacionalismo que tirou a Inglaterra da União Europeia.
O que isso tem a ver com a gente?
Os sinais de que o mundo está se “desglobalizando” estão todos aí.
Não o nosso mundo.
O das grandes potências.
Na globalização, perdemos o trem para Índia e China.
Na desglobalização nem entendemos nosso papel.
Esse era o momento de nos prepararmos para uma nova ordem mundial.
Mas estamos ocupados demais girando em círculos, tentando costurar um país rasgado ao meio.
Difícil prever o futuro desse novo mundo.
O nosso, ao que parece, é distópico como Hollywood sonhou.