Que objetivamente se afaste de uma vez por todas a hipótese de desconhecimento do Executivo sobre o que fazia de errado nas contas públicas. É óbvio e elementar que a presidente afastada, Dilma Rousseff, sabia e, mais do que isso, deu aval e ordem para as famigeradas pedaladas fiscais. Risível imaginar o contrário. Sem ela era impossível o esquema seguir adiante. Nenhuma das pontas da cadeia daria prosseguimento ou teria autonomia para autorizar, por tanto tempo e de forma tão escancarada, essa afronta contábil no Tesouro. Quem conhece a engrenagem estatal tem a plena noção dessa impossibilidade. Até por que as manobras foram reiteradamente denunciadas pela mídia, em diversas ocasiões (inclusive e em primeira mão pela ISTOÉ, ainda nos primórdios de janeiro de 2014), sem que qualquer gesto presidencial tivesse sido tomado para interrompê-las. Ao contrário: a presidente as endossou e mandou (ou deixou) que se repetissem ano após ano. Só mesmo a obtusa artimanha de sua tropa de choque no Senado para sustentar uma hipótese tão estapafúrdia como a da presumível inocência dela nesse aspecto. Vingando a tese seria o caso de considerar a senhora Dilma incapaz de comandar o País, inabilitada para o posto. Afinal a mandatária não teria conhecimento, nem sequer participaria, do que ocorre e é feito em seu nome na administração federal. Da mesma maneira, também na evidência de seu envolvimento, ela terá de ser deposta definitivamente pelo crime de responsabilidade implícito nos atos, de acordo com o que rege a Constituição. Nas duas condições ela estará errada e inapta para o cargo. Aos fatos: o que veio a se configurar como pedalada foi o atraso deliberado e de forma sistemática do pagamento de despesas para mascarar resultados fiscais ou para que simplesmente se abrisse espaço a novos gastos, de acordo com os interesses políticos da mandatária. Dilma inaugurou a era da gastança sem limite e sem preocupação com a receita. Os números estão aí para provar. E quebraram o País.

Deliberadamente ela fez uso abusivo dos bancos públicos para financiar sua sanha de despesas, desconsiderando a Lei de Responsabilidade Fiscal que proíbe a prática. Tomava empréstimos – e o termo é esse mesmo, conforme asseguraram os próprios peritos, refutando o argumento da defesa de que os atrasos de repasse ao BB, por exemplo, eram por prestação de serviço e não por operações de crédito – e encobria o rombo crescente. Nenhum subordinado, de ministro a mero gestor orçamentário, ousaria ir tão longe sem que a chefe do governo estivesse a par ou pedisse a execução desses truques abrindo assim brechas a novos e mirabolantes dispêndios. A “contabilidade criativa”, com manobras claramente fraudulentas – de acordo com a definição do Tribunal de Contas da União (TCU) – melhorou os números oficiais e ajudou, inclusive, na reeleição de Dilma. Desde 2012, ainda no primeiro mandato, ela expandiu irresponsavelmente e sem lastro os gastos da União. Qualquer cidadão comum que fizesse isso teria que responder civil e criminalmente. A lei também prevê tal enquadramento no que se refere à presidência da República. Isentá-la equivaleria a rasgar a Carta Magna. O calote disfarçado e intermitente que ela aplicou em instituições financeiras estatais teve início em 2013, consagrou-se como recurso rotineiro no ano eleitoral de 2014 e seguiu inclusive até meados de 2015.

A perícia técnica contratada pelo Senado para avaliar a prática se debruçou somente sobre contas de uma única operação dessas, que comprovam o atraso de pagamento dos subsídios do plano safra de 2015. Sem uma visão do todo, do conjunto de ações, os peritos não conseguiram identificar as digitais da presidente na execução específica desses atos. Mas mesmo assim não a isentou de culpa. Foi literal nas conclusões: “houve irregularidades. O fato de a gente não ter encontrado evidência da ação direta da presidente não quer dizer que não haja”. E sacramentou que, no caso dos decretos de suplementação orçamentária – outro crime de responsabilidade previsto na Constituição – a participação direta de Dilma é notória porque ela assina sua publicação no Diário Oficial da União. “A participação nesse tocante é incontroversa”. Os peritos, como servidores do Senado, foram acionados a pedido da defesa de Dilma e tinham o papel essencial de avaliar se ocorreu crime ou não. Nesse ponto foram taxativos: o crime está tipificado. Como também disseram no relatório, a avaliação do dolo cabe aos senadores. Não há, de fato, uma ordem física assinada por Dilma dando carta branca para a lambança. Mas ela naturalmente estava a par, foi conivente e se beneficiou da conveniência de usar os “recursos extras” a seu bel prazer.

Não é de hoje que a presidente recorre à falácia de dizer, reiteradamente, que nada sabe e nada fez de malfeitos. Foi assim com a compra escandalosa da Refinaria de Pasadena a preço exorbitante, quando participava do Conselho da Petrobras que aprovou o negócio. Em que pese as inúmeras delações apontando seu amplo conhecimento das perversões do contrato, ela nega envolvimento na tramoia. Assinou, diz, sem saber o que estava fazendo. Como uma vestal de pura ingenuidade, Dilma sempre se posiciona como ludibriada pelas circunstâncias ou distorce os fatos a sua conveniência. É possível imaginar a presidência do Brasil sendo conduzida daqui por diante por uma autoridade com esse grau de ausência de responsabilidade sobre tudo o que acontece a sua volta?