Um fosso profundo separa as circunstâncias que envolveram as nomeações do ex-presidente Lula para a Casa Civil e de Moreira Franco para a Secretaria-Geral da Presidência. Mesmo assim, na última semana, Franco esteve no epicentro de uma ciranda de liminares, virando e desvirando ministro por duas ocasiões. As medidas cautelares tiveram como base de sustentação a equiparação com o episódio protagonizado pela dupla petista, Dilma Rousseff e Lula.

Embora, aparentemente, o intuito seja o mesmo, o de assegurar o foro privilegiado, não há como falar em similaridade entre os dois casos. Senão vejamos. Além de, ao contrário do ex-presidente petista, já exercer funções no atual governo como secretário do Programa de Parceria de Investimentos, criado em setembro de 2016, Moreira Franco é apenas citado nas delações, que estão sob segredo de Justiça. Não há inquérito aberto para investigá-lo. Lula já era investigado, havia sido alvo de condução coercitiva para prestar esclarecimentos a respeito das investigações da Lava Jato e áudios em poder do juiz Sérgio Moro indicavam que o petista trabalhava intensa e diuturnamente na tentativa de obstruir a Justiça.

Numa das gravações tornadas públicas, Dilma diz a Lula que enviaria a ele um “termo de posse” de ministro para ser utilizado “em caso de necessidade”. Numa espécie de corrida contra o tempo, a presidente trabalhava ali claramente para impedir que Lula fosse preso antes de sua nomeação para a Casa Civil. Àquela altura, o Planalto já tinha informações seguras de que o Ministério Público, em Curitiba, estava de prontidão para pedir a preventiva do petista. Os atos seguintes corroborariam o desejo de Dilma de livrar Lula dos problemas com a Justiça. Enquanto o presidente do PT, Rui Falcão, informava que a posse de Lula só ocorreria dias depois, o Planalto mandava circular uma edição extra do Diário Oficial formalizando a nomeação.

Foro não serviu a Geddel e cia

Há ainda outro componente político na nomeação de Lula, barrada pela Justiça posteriormente, que inexiste na de Moreira Franco. É inegável que Franco seja um dos braços-direitos do presidente Michel Temer. Mas Lula, em março de 2016, não faria da Casa Civil apenas um refúgio seguro para possíveis investidas de Sergio Moro. A intenção de Dilma era resolver duas questões numa só tacada. A outra era transformar Lula numa espécie de primeiro-ministro num momento em que a então presidente perdia as condições políticas para governar. Naquela ocasião, o ato representava uma afronta ao País, estupefato com os desmandos e a inépcia de um governo atolado em denúncias e, por isso, já ali condenado a terminar de forma prematura. Em matéria de capa, sob o título “Acabou”, ISTOÉ decretava ali o começo do fim do segundo mandato de Dilma.

ato 2 Em 3 de fevereiro, Moreira Franco foi nomeado por Temer para a Secretaria-Geral
ATO 2 Em 3 de fevereiro, Moreira Franco foi nomeado por Temer para a Secretaria-Geral

Nem de longe, a situação se assemelha com o momento vivido por Temer atualmente. É importante sublinhar ainda a diferença de postura entre o atual presidente e a antecessora ante o surgimento de denúncias contra integrantes do primeiro escalão. Para Temer, foro privilegiado não significa salvo conduto para eventuais práticas de ilícitos. Quem apostou nisso se deu mal. Que o digam Henrique Eduardo Alves e Geddel Vieira Lima. Apanhados em irregularidades, ambos, bem como o ex-AGU, tiveram de deixar o governo. Já a caneta “querida” de Dilma, todos lembram, se transformou num dique de proteção para denunciados.

A homologação dos depoimentos pela presidente do STF, Cármen Lúcia, gera uma expectativa em torno da divulgação do inteiro teor das delações dos 77 executivos da Odebrecht. Pelo que se sabe até agora, Moreira Franco é um dos citados, mas ainda será preciso comprovar sua eventual participação em malfeitos. Não se sabe sequer se as delações serão capazes de ensejar um pedido de investigação contra ele. Como se nota, há uma diferença abissal entre os dois episódios. A não ser para olhos viciados de militantes, os quais tudo enxergam quando os interesses pessoais, e por que não passionais, estão acima da frieza dos fatos.

Os áudios revelaram que Lula tentava escapar de uma prisão preventiva por obstrução de Justiça. Nomeado, seria o presidente de fato