Ciência/Saúde   1982

Poucas epidemias causaram tanto impacto na população mundial quanto a da Aids. De um lado, os jornais noticiavam a morte de grandes ídolos pela doença que, sem cura, causava efeitos devastadores. Rock Hudson, Freddie Mercury, Cazuza, Renato Russo, Lauro Corona, Sandra Bréa, Henfil, Betinho e muitos outros apareciam em público magros, com sarcomas, enfrentando infecções diversas e debilidade generalizada. De outro, havia um estigma. No início, a Aids foi associada à homossexualismo masculina e muitos viam a doença como uma espécie de punição moral. Até ser desvendada, a Aids ganhou a pejorativa alcunha de “câncer gay”.

Como se descobriu depois, o grupo de risco era muito maior. O vírus HIV, causador da Síndrome da Deficiência Imunológica Adquirida, era transmitido por via sexual, mas também por transfusões de sangue e outros fluídos. Identificado como um retrovírus, o HIV se aloja nas células de defesa do corpo e faz com que uma guerra se instale entre elas — daí a falência do sistema imunológico em lutar contra as infecções.

Projetos de vida

Por conta da devastação causada pela enfermidade, cientistas de todo o mundo concentraram esforços em desvendá-la. Em setembro de 1982, Luc Montaigner, do Instituto Pasteur, de Paris, isolou o vírus. Três décadas depois, o mal foi transformado numa doença crônica, graças à eficiência de remédios que inibem a ação do HIV no interior dos linfócitos. “Hoje, meus projetos de vida não incluem a Aids”, diz Ozzy Cerqueira, 28 anos, advogado e mestre em Saúde Pública, que trabalha na Associação Brasileira de Interdisciplinar de Aids (Abia). Portador do vírus há oito anos, Ozzy diz que seus problemas são outros — não o HIV. “Acho que, do mesmo jeito que aconteceu [ser infectado], pode desacontecer, tanto do ponto de vista simbólico quanto no concreto, com o surgimento de uma nova medicação”, afirma. “Essa pode ser apenas uma história para contar para os netos.”

A convivência com o vírus, porém, tem um lado negativo. Entre 2006 e 2015, o número de jovens infectados aumentou 40% no País, segundo o Ministério da Saúde. “Quando a epidemia deixou de ser uma ameaça, ela perdeu a visibilidade e as escolas diminuíram o espaço para a discussão de sexualidade, gravidez, doenças transmissíveis e gênero”, diz ele.

Outro problema, afirma, foi o fato de o Brasil ter perdido o protagonismo nas campanhas de combate à doença. “Tivemos um momento histórico, no início da epidemia, em que o Brasil foi muito pioneiro: enquanto muitos países nem falavam do assunto, aqui já se distribuía o medicamento de graça”, diz Cerqueira. “A conscientização para a prevenção já não é a mesma e há casos de medicamentos usados aqui que já são proibidos nos EUA. Não temos mais um programa de ponta”, alerta.

“Tivemos um momento histórico em que o Brasil foi pioneiro no combate à Aids, mas não temos mais um programa de ponta” Ozzy Cerqueira, 28 anos, advogado especialista em Saúde Pública e portador do vírus HIV
“Tivemos um momento histórico em que o Brasil foi pioneiro no combate à Aids, mas não temos mais um programa de ponta” Ozzy Cerqueira, 28 anos, advogado especialista em Saúde Pública e
portador do vírus HIV

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