Tudo começou com o chileno Patricio Guzmán. Não, foi antes. No processo eleitoral de 2014, Petra Costa sentia o País dividido, mas ainda não havia experimentado a urgência de sair para a rua com sua câmera para documentar o que se passava. Mas aí veio 2016, o mar de gente vestindo verde/amarelo.

Ela havia visto recentemente o tríptico de Guzmán, A Batalha do Chile – A Insurreição da Burguesia, O Golpe de Estado e O Poder Popular. Foi aí que Democracia em Vertigem começou a nascer para ela. Entender o Brasil, o que se passava – tudo. “Começou com o impeachment da (presidente) Dilma (Rousseff), mas aí era preciso entender como havíamos chegado àquilo.”

E ela prossegue: “O projeto foi crescendo na minha cabeça. Era preciso voltar à rua, seguir o processo no Congresso, documentar o que estava se passando no País. Só que para isso tive de voltar às greves do ABC. E, filmando os acontecimentos, dei-me conta do isolamento no Planalto Central. Voltei a Juscelino (Kubitschek) e à construção de Brasília. E, nem assim, o filme me parecia completo. Veio o novo processo eleitoral, a candidatura de (Jair) Bolsonaro”. O resultado de todo esse esforço está disponível na Netflix, a partir desta quarta-feira, 19.

O filme teve sua estreia mundial em Sundance, em janeiro, e depois disso percorreu um importante circuito de festivais. Ganhou muitos elogios. Em diferentes países, Petra ouviu gente lhe dizer que não havia feito um filme só sobre o Brasil, e que o filme dela captava um momento crítico da história do mundo, ajudava a entender os EUA sob Donald Trump, a direitização de vários países da Europa.

Para o cinéfilo brasileiro, que conhece melhor a autora – de Elena e O Olmo e a Gaivota -, não será surpresa vê-la assumir sua marca, a narrativa em primeira pessoa. O filtro é o olhar de Petra, a forma como ela viveu e sentiu esses anos. Mas há um plus a mais, como diria Daniel Filho – Petra pertence a uma família rica, do ramo da construção (Andrade Gutierrez). Ela faz o filme de uma perspectiva de classe. Diz, textualmente, que essa “guerra” está sendo levada por sua classe, contra os pobres.

Ela entrevista a própria mãe, que diz que os processos da Lava Jato carregam uma novidade no combate à corrupção. Mas a mãe também reflete que a elite está disposta a sacrificar uma parte de si para mascarar o que chama de partidarização do processo.

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Por mais que considere o Brasil surreal, Petra, ao se lançar ao filme com a Netflix e investidores estrangeiros, de fundos internacionais – não queria investidores brasileiros para garantir sua independência -, jamais imaginou que Democracia em Vertigem chegaria ao público nesse momento particular da Lava Jato. O que a moveu foi uma convicção profunda.

“No filme sobre a morte da minha irmã (Elena) e, em O Olmo e a Gaivota, em torno de uma gravidez, estava convencida de que o que, às vezes, parece muito íntimo, é também político. Agora, é o inverso, o político é que é íntimo. Perder um ente querido pode ser muito triste, dilacerante, mas estamos na iminência de perder a nação, e aí a dor é infinita. Estou lutando pela minha, pela nossa identidade.”

Não foi fácil chegar à ex-presidente Dilma Rousseff. Petra escreveu-lhe uma carta, pediu ajuda a todo o mundo que conhecia para tentar chegar ao núcleo palaciano. Um dia veio a resposta: “Dilma vai falar, é só esperar”. Passaram-se semanas, e nada. Um dia, veio o alerta: “É agora”.

Petra regressou a Brasília. Dilma concedeu-lhe uma entrevista formal. Não era o que queria, nem a usou no filme. Terminou abrindo o coração – queria outra coisa, mais visceral. O acesso ao carro presidencial, como nesse momento, após a votação do impeachment na Câmara, em que Dilma, singular e paradoxalmente, está no carro com seu advogado. “Ela diz que está vivendo uma situação kafkiana, mas foge ao óbvio. Diz que não é o Kafka de O Processo, mas o de O Castelo, e explica por quê. É simples, direta, e brilhante. É um dos meus momentos favoritos.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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