Em um cenário global em que o nacionalismo e o extremismo cada vez mais afastam nações – a julgar por exemplos como a saída do Reino Unido da União Europeia e a visão unilateral do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump – a França, berço da democracia moderna e da defesa dos direitos humanos, mais uma vez é exemplo para a Europa e o mundo. No domingo 7, os franceses irão às urnas escolher quem será o sucessor de François Hollande na presidência da República. A contar pelas projeções, será Emmanuel Macron, o candidato ‘outsider’ centrista defensor de uma visão pró União Europeia e de uma política mais flexível em relação aos imigrantes. É o oposto do que propõe sua concorrente, Marine Le Pen, filha do líder histórico da extrema-direita francesa Jean-Marie Le Pen e, tal qual o pai, representante do pensamento conservador. As últimas pesquisas indicavam Macron com 61% da preferência dos votos, contra 39% a favor de Marine.

O resultado mostra que o caminho da moderação foi o adotado pelos franceses. Depois da vitória no primeiro turno, realizado no dia 23 de abril, quando teve 24% dos votos contra 21% de Le Pen, Macron recebeu o apoio do atual presidente francês, de François Fillon, candidato do partido Republicanos, que ficou em terceiro lugar na votação com 20% dos votos, e de Benoit Hamon, candidato do Partido Socialista que teve 6,36% dos votos (o pior resultado da legenda desde o fim dos anos 1960). Apenas o veterano esquerdista Jean-Luc Mélenchon, que teve 19,5% dos votos, não se posicionou.

Os números também evidenciam o fim da polarização entre os partidos tradicionais Republicanos e Socialista, expressão francesa da direita e esquerda, que estão de fora do turno decisivo das eleições presidenciais pela primeira vez em 60 anos. Se em 1789 a indignação com nobres e religiosos levou à Queda da Bastilha e ao estabelecimento de uma nova ordem no país e no mundo pela Revolução Francesa, agora o descontentamento com os partidos tradicionais, o baixo crescimento econômico, o aumento do desemprego e a nostalgia dos ‘anos dourados’ fez emergir nos franceses mais uma vez a busca pelo novo. “Houve uma vontade coletiva de romper com os partidos do governo, sejam de esquerda ou direita”, afirma Jean-Jacques Kourliandsky, pesquisador do Instituto Francês para Assuntos Internacionais e Estratégicos. “Os beneficiários da ruptura são movimentos em vez de partidos, porque não importa a organização, mas a dissociação do sistema, um discurso privilegiado tanto por Emmanuel Macron como por Marine Le Pen”, diz Kourliandsky.

A favor da união  europeia

Em vez de rejeitarem a eleição, como se temia, os franceses usaram o recurso máximo da democracia para demonstrar sua vontade. Ainda que pesquisas mostrassem desinteresse e alto potencial de abstenção, a participação da população no primeiro turno foi alta, de mais de 78%.

O carismático Macron, ex-banqueiro de 39 anos que foi ministro do atual presidente François Hollande, lidera o movimento liberal Em Marcha!, criado por ele mesmo no ano passado, e ganhou popularidade por ser uma nova opção no sistema político francês. “Ele é aquela mercadoria na prateleira de um supermercado cheio de coisas que ninguém quer comprar”, afirma Marco Aurélio Nogueira, professor de Teoria Política da Universidade Estadual Paulista. “Seu programa reúne os pontos bons da esquerda e da direita e propõe uma reforma de mercado sem abandonar os mais fracos”, afirma o acadêmico. “É confuso, mas ele ganhou o primeiro turno sobretudo com a ideia de que é novidade.”

No campo ideológico, a escolha sinalizada pelo povo francês por Macron reflete a adesão da França ao europeísmo, e não à sua antítese, representada por Le Pen. Ele propõe a permanência do país na União Europeia com um orçamento, um Parlamento e um ministro das Finanças próprios para a zona do euro. Ela, ao contrário, defende a negociação da saída do euro e do acordo Schengen (permite a livre circulação em fronteiras entre as trinta nações signatárias) e a convocação de um referendo sobre a permanência da França no bloco. A largada na frente de Macron, portanto, foi um alívio para Bruxelas. Um possível ‘Frexit’ teria muito mais impacto que o ‘Brexit’ (acrônimo para a saída britânica), já que a França é um dos países fundadores do bloco.

A política de imigração, outra questão central em debate no mundo, também tem em Macron um posicionamento mais equilibrado. Enquanto ele propõe analisar os pedidos de asilo em seis meses, Le Pen quer limitar a dez mil por ano a cota de imigrantes recebidos pelo país europeu. Por razões como essas, Macron é a esperança daqueles que querem que a França continue a ser lembrada como uma nação democrática e moderna. De novo, indicando o caminho.

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