Graduado em arquitetura e bacharel em composição, o paulistano Dante Ozzetti, 60, combina as duas formações em seu peculiar processo criativo. Recorrendo a uma folha de papel, ele pega um lápis e desenha a representação gráfica de como trabalha a construção musical. O diagrama é um pequeno retângulo, atravessado por uma linha reta longitudinal sobre qual Dante vai traçando outros segmentos de linha, curtos, como que simbolizando as camadas de sons que ele sobrepõe até chegar ao efeito desejado. “Isso vem da arquitetura”, diz, demonstrando ao mesmo tempo no computador uma espécie de partitura esquemática, formada por retângulos de diversas cores, que servirá de guia para a elaboração do cenário virtual do show de lançamento de seu mais recente CD, o instrumental “Amazônia Órbita”. Marcado para 14 de outubro no Sesc Pinheiros, o show terá uma “pré-estreia” dias antes em São Luís do Paraitinga. “Esse roteiro vai servir para a criação do cenário e também para orientar os técnicos de luz e som”, resume Dante. Sintetizar em imagens a complexidade dos sons que elabora talvez seja uma das chaves para compreender o trabalho de Dante Ozzetti, a quem caberia a definição de “construtor musical”.

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Foto: Gal Oppido

Compositor, arranjador e produtor cada vez mais solicitado, Dante despontou tardiamente: foi só no ano 2000, quando venceu o III Prêmio Visa de Música – Edição Compositores, que seu talento ficou mais conhecido, e ainda assim, por um público restrito. Mesmo sem abandonar a arquitetura, Dante tem encontrado tempo para participar de alguns dos mais instigantes trabalhos da música brasileira dos últimos anos. Só para citar alguns destaques, ele assinou a direção musical dos espetáculos “Elis e Tom” e “Vanguarda Paulista”, fez uma ótima parceria com a cantora Ceumar no aclamado CD “Achou!”, produziu “Zaluza”, da amapaense Patrícia Bastos, eleito o melhor álbum regional no Prêmio da Música Brasileira 2014, e “Embalar”, da cantora Ná Ozzetti, vencedor do Prêmio Governador do Estado. Apesar do reconhecimento nas colaborações e parcerias, é na criação de suas próprias composições que Dante se revela um talento único da cena musical contemporânea.

“Amazônia Órbita” é um disco raro. A começar pela fonte de inspiração. Até 2009, Dante jamais havia pisado na Amazônia. A primeira viagem foi a convite da cantora e compositora Patrícia Bastos. Desde então, foram 14 visitas, entre gravações, shows e pesquisas musicais. Na bagagem, Dante trouxe algo que lembra as expedições etnográficas empreendidas por Mario de Andrade ainda nos anos 1930, quando o autor de “Macunaíma” registrou expressões do folclore do Norte e Nordeste do Brasil. No caso de Dante, o que ele reuniu são registros gravados pelos percussionistas do Trio Manari, de Belém (PA), com os ritmos que fazem parte das tradições do Marabaixo, festa religiosa do Amapá derivada do sincretismo entre quilombolas e católicos. Dante afirma ter escolhido dez ritmos que contam histórias locais e que serviram de alicerce para suas composições. “A malha rítmica, própria de cada um deles, é a matéria prima”, afirma. “As composições partem de inflexões rítmicas e a concepção melódica é extraída desses desenhos”, escreveu o compositor no texto que apresenta o CD. Na prática, ele compôs a partir de cada célula rítmica pré-gravada, acrescentando sobre as batidas novas camadas de sons formadas por um quarteto de sopros com flauta, fagote, clarineta e tuba. O resultado é tão original quanto revelador das bases rítmicas que formam as órbitas musicais da Amazônia, caso do “Lundu do Marajó”, do “Carimbó Chorado”, do “Samba do Cacete”, que estão no CD . E os amapaenses, reconheceram sua música depois de “reprocessada” pelo paulistano Dante? “Quem ouviu diz que sim”, garante o compositor. Mais importante que ser fiel às origens que garimpou, o que vale é o resultado final: a revelação de uma Amazônia sonora ainda pouco conhecida. Uma nova música brasileira.

Ouça aqui a faixa “Verão do meio do Mundo”

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