Nas alturas do templo Coricancha, o Inca eleva as mãos e recebe os primeiros raios do pai sol. É a festa do Inti Raymi no Peru. Só que são novos tempos e o imperador sabe disso: um drone sobrevoa sua cabeça, gravando a festa tradicional.

O 24 de junho é o dia em que o sol, depois de ter se distanciado, vence a escuridão e volta à Pachamama – Mãe Terra em quéchua. Para as civilizações atuais, trata-se do solstício de inverno no hemisfério sul. Para os incas, é o momento do Inti Raymi, a festa do sol.

“Em 21, 22 e 23 de junho, o Sol está longe ainda, e no 24 o sol vence e inicia sua volta para a Pachamama, e ao voltar, promete a frutificação. Este é o simbolismo andino da festa solar”, explicou à AFP o vice-ministro do Turismo, Rogers Valencia.

Pachacutec, o forjador do império inca, e sua Coya ou esposa, vão do Coricancha à praça principal de Cusco, no sudeste do Peru, para dar sua saudação. Ali, muros feitos de pedras perfeitas foram erguidos pelos antepassados, e convivem com edificações da colônia espanhola, a 3.500 metros de altitude.

A dois quilômetros, na esplanada da fortaleza de Sacsayhuaman, o aguardam cidadãos das quatro regiões do Tawantinsuyo, em trajes multicoloridos. Eles dançam e levam o melhor de suas colheitas, peças têxteis e cerâmicas.

Também o aguardam nas galerias 3.500 pessoas que pagaram para assistir ao espetáculo. Os ingressos mais caros custam 150 dólares. A festa chega a reunir 80.000 pessoas que se aglomeram em colinas vizinhas para observar a cerimônia.

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Tempos difíceis para o império

O Sinchi, general do exército, assegura-se que o Inca, filho do sol, possa entrar na esplanada. Um séquito de mulheres lança pétalas como se fossem tapetes. Entra primeiro a Coya, o Willaq Uma ou sumo sacerdote e depois, com o ulular dos pututos (caracóis marinhos), entra o Inca.

“Sinto-me feliz e orgulhoso, como todo cusquenho, de participar pelo segundo ano”, diz à AFP Alexander Carbajal, que interpreta um dos soldados da guarda imperial do Inca, que o leva nos ombros.

Mas o Inca também é custodiado por um esquadrão de assalto da Polícia, que reforça Sacsayhuaman e detém um protesto de dezenas de professores que, do alto de uma colina, lançam palavras de ordem e pedem melhores condições de trabalho. São tempos difíceis para o império.

O próprio David Ancca, ator que representa o Inca, reconhece as difíceis circunstâncias atuais. Há algumas semanas, quando saiu para um ensaio, entraram para assaltar sua casa, segundo a imprensa local.

“Pai sol, recebe nossa oferenda, carinho (…) é o generoso aporte de teus filhos dos quatro suyos [regiões em quéchua]”, diz ao povo falando em quéchua, idioma falado por 3,2 milhões de peruanos, segundo cálculos oficiais.

O Inca oferece tributo ao sol lançando na terra a chicha sagrada, feita com base em milho fermentado.

Recebe os presságios do Willaq Uma sobre como serão o ano, as chuvas e as colheitas. As previsões são lidas nas entranhas de uma lhama, cujo sacrifício é encenado. Tudo registrado pelo drone.

É ano novo nos Andes. Momento de semear e regar com a água, que o pai sol descongelou do topo das montanhas e enviou para os vales.

O Peru é um país eminentemente agrícola. Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas e Informática (INEI), há 2,2 milhões de produtores agropecuários no país, que destina 30% de seu território para esta atividade.

Orgulho andino


Nesta época, Cusco para. Na véspera da festa principal, 250 delegações de toda a cidade desfilam na Praça Maior. Ao ritmo de bandas de música, a marcha começa pela manhã do dia 23, com um sol que queima os lábios e as bochechas, a 20ºC, e termina na madrugada do dia 24, quando o frio de 1°C faz os joelhos tremerem.

“É uma emoção, como cusquenhos nos sentimos orgulhosos. Festejamos dançando, com música”, disse à AFP Alicia Quispe Condori. Vestindo um poncho colorido, ela integra a delegação do distrito de San Sebastián.

Lotada de turistas, paralelamente às festividades cusquenhas, continham as visitas à cidadela de Machu Picchu (a 72 km de Cusco), em dois turnos, devido à demanda.

Cusco, uma sobrevivente

Conta a história que Cusco já abrigava comunidades antes de se tornar a capital inca.

“Cusco é uma cidade grande e antiga. Muitos povos de sua mesma idade hoje estão cobertos pelo esquecimento. Nínive e Babilônia desapareceram. E Cusco, com seus 3.500 anos, vive”, disse o vice-ministro Valencia, também cusquenho.

Esta antiga cerimônia inca foi erradicada durante o vice-reinado espanhol (1542-1824) e restituída em 1944.


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