“Depende daquele que passa que eu seja túmulo ou tesouro. Isso só depende de você. Amigo, não entre aqui sem desejo.” Paul Valéry

Os que fizeram acontecer a 42ª São Paulo Fashion Week escolheram ser tesouro. Isso dependeu do desejo de fazer, como nos versos do poeta Paul Valéry, citados acima e grafados na entrada do Musée de l’Homme, no palais de Chailot, no Trocadéro, em Paris. Com uma estrutura menor e 13 grifes a menos que a edição anterior, a SPFW escolheu reinventar moda na crise, lançando mão de mais criatividade para atravessar a turbulência brasileira, que também atinge o setor. Da passarela de Ronaldo Fraga, com 29 modelos transexuais, ao desfile com roupas usadas e recicladas da grife À La Garçonne, de Alexandre Herchcovicth, o evento investiu ainda no conceito see now buy now (veja agora, compre agora), de compra imediata após os desfiles de algumas grifes.

Sem Fórum, Tritton, Ellus, Colcci e Cavalera, entre as grifes que decidiram pular o calendário, a semana de moda saltou aos olhos com a força criativa de quem, apesar da crise, topou seguir em frente. “Para mim nunca houve a hipótese de não fazer. Eu não sei o que é parar de fazer porque tem uma crise. A gente vai fazendo de jeitos diferentes”, diz Alexandre Herchcovith. Com 25 desfiles, houve mais jeitos: do lirismo pós-moderno de Reinaldo Lourenço e Gloria Coelho ao desbunde a la anos 80 da moda praia e resort de Amir Slama. Houve destaques para Lily Sarti, Experimento Nohda, Animale e Osklen, entre veteranos criativos brasileiros e novos talentos.

Na tenda montada no Parque do Ibirapuera, longe da Bienal e ao lado do museu Afro Brasil, o evento também se espalhou por teatros, livrarias e pontos de São Paulo e ganhou um tema que lhe valeu como codinome para a reação à crise no País: “SPFW Trans N42”. O nome reluzia nas paredes provisórias do QG da semana de moda paulistana, que terminou na sexta-feira 29. Na proposta do SPFW, Trans derivava de transformação, transgressão e transição. Remetia à ideia de ir além. “A moda vive desses processos de crise e as crises reinventam os processos”, diz Paulo Borges, criador do São Paulo Fashion Week. “Por isso o “Trans”, para dizer que o momento é de transformação.” Independentemente de o Brasil viver em 2016 uma crise excepcional, Borges lembra que o SPFW já teve edições com 18 desfiles apenas, em 1999. “É um momento em que você tem que achar as melhores maneiras de fazer um evento. É interessante, mas este é também o ano que a gente teve mais patrocinadores.”

“Como toda indústria deste País, a moda sofre as
mesmas intempéries. É natural o SPFW ser menor”
Gloria Kalil

Parte do cenário de crise, a moda dá seu jeito de se adequar ao momento. “A moda é indústria e como toda indústria deste País ela sofre as mesmas intempéries”, atesta a consultora Gloria Kalil. “A moda se adaptou às condições econômicas e às condições dos consumidores. É natural que a SPFW seja um pouco menor, o que não diminui em nada a qualidade.” A opinião coincide com a da consultora Costanza Pascolato. “Já é muito bom que exista esse evento este ano porque a perspectiva era mais catastrófica”, afirma a papisa da moda. “Como sempre, o Brasil reage de uma maneira bacana. Mesmo sendo menor, o evento mostra estratégias e pensamentos diferentes.”

“A perspectiva era mais catastrófica. Mesmo sendo menor,
o SPFW mostrou estratégia e pensamento diferentes”
Costanza Pascolato

O conceito see now buy now, para ambas, é um desafio. “Requer a reorganização de toda a produção, prazos, compra de tecidos, como vai ser lançado, em qual época e que roupa”, acredita Costanza. “É quase uma roupa sem estação.” Para Gloria Kalil, a estratégia de estreitar o tempo entre a apresentação da coleção e a chegada às lojas é um modo da indústria e das marcas se aproximarem do consumidor. “Primeiro tivemos o fast fashion, que já foi uma grande mudança na estrutura de produção dos industriais e agora chega o see now buy now. É uma mudança na forma de distribuição, mais amplo e convergente com a atualidade. Cada marca tem que descobrir qual é o jeito de chegar perto do seu consumidor da forma mais adequada para sua moda e para a sua pretensão”. Ou para o seu desejo.

Fotos: Eduardo Anizelli/Folhapress; Felipe Gabriel/ AG. ISTOÉ