Desde que foi presidente da República, e mesmo depois que deixou a presidência em 2010, Lula levava vida de milionário. Quando precisava de dinheiro, pedia para o ex-ministro Antonio Palocci ir a seu banco particular, o banco de propinas da empreiteira Odebrecht, e sacava os valores em dinheiro vivo. Identificado como “amigo” (em função de sua amizade com o patriarca da companhia Emilio Odebrecht), Lula tinha uma conta corrente no Setor de Operações Estruturadas, ou “departamento de propinas” da companhia, onde chegou a ter um saldo de R$ 40 milhões. Esse dinheiro foi disponibilizado pela empreiteira para “atender as demandas de Lula”, como disse Marcelo Odebrecht na última segunda-feira 10, em depoimento ao juiz Sergio Moro. O único autorizado por Lula a sacar o dinheiro era Palocci, que usava o codinome de “Italiano” no banco de propinas da maior construtora do País. Às vezes, “Italiano” telefonava a Marcelo e dizia que quem ia buscar o dinheiro para Lula era Branislav Kontic, o Brani, braço direito de Palocci nas roubalheiras de propinas geradas em obras públicas. Brani sacou R$ 13 milhões em dinheiro vivo para Lula de 2012 a 2013.

A existência dessa conta secreta de Lula no departamento de propinas da Odebrecht foi detalhada ao juiz Sergio Moro com a maior naturalidade pelo executivo baiano, preso na Carceragem da Polícia Federal de Curitiba desde julho de 2015 e que fez delação premiada para deixar a cadeia em breve. “A gente botou R$ 40 milhões para atender as demandas que viessem de Lula. Veja bem: o Lula nunca me pediu diretamente. Eu combinei via Palocci. Óbvio, ao longo dos usos, ficou claro que era realmente para Lula. O Palocci me pedia para descontar (os saques) do saldo da conta ‘amigo’”, disse Marcelo Odebrecht ao juiz Moro. Em 2014, por exemplo, Brani sacou outros R$ 4 milhões para o Instituto Lula e esse dinheiro foi abatido da conta “amigo”. A partir de 2011, as contas petistas na empreiteira passaram a ser administradas pelo então ministro da Fazenda no governo Dilma, Guido Mantega, o “Pós-Itália”.

CONFISSÕES O juiz Sergio Moro ouviu, durante quase 3h, as revelações de Marcelo Odebrecht que implicaram Lula
CONFISSÕES O juiz Sergio Moro ouviu, durante quase 3h, as revelações de Marcelo Odebrecht que implicaram Lula

A conta “amigo” segundo Marcelo, destinada ao ex-presidente, consta de uma planilha do “departamento de propinas” pilotada pelo ex-ministro Palocci e que chegou a ter um saldo de R$ 200 milhões em 31 de julho de 2012. Desse dinheiro, R$ 79 milhões pertenciam a “italiano”, “amigo” e “pós-Itália”.“Tudo o que eu acertava de propinas para Lula, para o PT ou para candidatos do PT, era de conhecimento de Palocci”, disse Marcelo. O ex-ministro da Fazenda é acusado de ter recebido R$ 128 milhões da Odebrecht para repassar aos petistas e até pagar contas de campanha para o publicitário João Santana.

Negociata de R$ 50 milhões

A grande bolada que o PT arrancou em propinas da Odebrecht de uma só vez foi resultado de uma negociata entre a Braskem, empresa do grupo, e o ministro Guido Mantega, em 2009. Segundo Marcelo disse a Moro, a empresa tinha um “passivo monstruoso” em IPI com o governo e “corria o risco de quebrar”. “Eu procurei Palocci, que era meu interlocutor no governo e ele me introduziu ao ministro Guido (Mantega). Acertamos que o governo iria gerar uma Medida Provisória para beneficiar as empresas com débitos de IPI, especialmente a Braskem. Nessa negociação, Guido escreveu num papel o valor de R$ 50 milhões. Era para a campanha de 2010 (de Dilma). Nós concordamos em pagar”, disse Marcelo. Esse dinheiro ficou como crédito na planilha “Italiano”. “Palocci tinha conhecimento de tudo”. Os R$ 50 milhões acabaram não sendo usados por Dilma em 2010 e ficaram disponíveis para o PT no departamento de propinas até 2014, quando o partido usou na campanha da reeleição de Dilma.

A insaciável gana do PT por propinas era tanta, que antes das eleições de 2010, o ex-presidente Lula mandou o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, procurar Marcelo Odebrecht, pedindo outros R$ 40 milhões. Em contrapartida, o governo, por meio do BNDES, liberaria uma linha de crédito para a companhia usar em seus negócios em Angola. “Fui checar e já tínhamos contratado R$ 600 milhões para Angola e só precisávamos da linha de crédito. Vi que dava para colocar esses R$ 40 milhões dentro do custo da obra e aceitei pagar a propina pedida pelo Paulo Bernardo. O Guido não se envolveu nisso, mas o Palocci tinha ciência de tudo. Só expliquei que como tínhamos uma taxa para geração desse dinheiro, tínhamos que reduzir o valor para R$ 36 milhões, que convertido para reais deu R$ 64 milhões”.

Marcelo explicou que, no caso do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), Guido Mantega lhe pediu “um adicional” de R$ 50 milhões. Além disso, o PT lhe pediu também propinas na construção das hidrelétricas de Belo Monte e Santo Antonio. Ele informou que o partido procurou o executivo Henrique Valadares (presidente da Odebrecht Energia), para o recebimento de propinas nas obras das hidrelétricas, mas a empresa não quis pagar. “Eu procurei o Palocci e disse: não adianta vocês procurarem um executivo da empresa. O que eu acerto com vocês está na planilha”.

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A voracidade petista

Ele disse que “todos os pagamentos da empresa eram feitos mediante autorização de Palocci”. Em 2009, ano que não teve campanha eleitoral, Palocci telefonou para Marcelo e disse que precisava de R$ 10 milhões em espécie. “Vai passar aí para sacar o dinheiro o Juscelino Dourado (conhecido por JD)”. Juscelino foi o antecessor de Brani nos saques nas contas do “departamento de propinas” da Odebrecht. O PT sacava tanto dinheiro que Marcelo chegou a reclamar. “Eu falei para o meu pai (Emilio Odebrecht): Avisa o Lula que ele não vai ter dinheiro para 2010 se a gente gastar tudo antes”. Mas na campanha de 2010, o dinheiro continuou jorrando na campanha de Dilma. Em julho, agosto e setembro, a companhia deu R$ 20 milhões para a campanha petista, “com autorização de Palocci”, como lembra Marcelo. Desse total, R$ 16 milhões era caixa dois e R$ 4 milhões em forma de bônus eleitoral, devidamente registrado na Justiça Eleitoral. “Muitos candidatos me procuravam mas eu explicava que tinha que ter aprovação de Palocci. Eu dizia: pede para o Palocci. Se ele autorizar, tudo bem”.

Mas depois da eleição de Dilma, Marcelo foi procurado por Paulo Okamoto (diretor do Instituto Lula), José Carlos Bumlai (fazendeiro amigo do peito de Lula) e Roberto Teixeira (advogado de Lula). Eles pediram que a Odebrecht comprasse um terreno para a instalação da nova sede do Instituto Lula (IL). O local já tinha sido escolhido por Roberto Teixeira. “Fui ao Palocci e disse que havia essa demanda para o IL. Ele aprovou”, disse Marcelo. O empreiteiro, então, comprou o terreno na Vila Mariana por R$ 12,4 milhões, por meio da empresa DAG Construtora, uma empresa laranja da Odebrecht. “O problema é que depois eles desistiram do negócio (Lula e dona Marisa não gostaram do local). Então, vendemos o terreno e adicionamos o valor como crédito na conta “amigo”. Em 2014, a empreiteira deu outros R$ 4 milhões para o Instituto Lula, acertados via Alexandrino Alencar, ex-diretor da empresa e amigo de Lula. Esse valor também foi abatido do saldo “amigo”, com explicou Marcelo, sempre com a aval de Palocci. “Ele sempre foi nosso interlocutor no governo do PT e a nossa relação com Lula passava por Palocci”.

Como Palocci enriqueceu

Palocci virou homem de confiança de Lula em 2002, ao tornar-se coordenador da campanha presidencial, após o assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel. Com a eleição de Lula, Palocci largou a prefeitura de Ribeirão Preto e assumiu o Ministério da Fazenda. Logo, virou eminência parda de Lula. Comentava-se que poderia ser candidato a presidente, na sucessão de Lula, mas ele quebrou o sigilo das contas do caseiro Francenildo Costa e jogou por terra o sonho presidencial. De qualquer forma, usou a passagem pelo governo para enriquecer. Em 2006 montou a empresa de consultoria Projeto e ficou milionário. Calcula-se que tenha mais de R$ 200 milhões. Quando começou na política, era um médico modesto. No início dos anos 2000, tinha um patrimônio de R$ 295 mil e um saldo de R$ 2.300 no Banco do Brasil. Ao ser preso pelo juiz Sergio Moro, no final do ano passado, tinha um apartamento nos Jardins no valor de R$ 13 milhões e um escritório de R$ 2 milhões. Em suas contas bancárias, tinha R$ 30,8 milhões. O dinheiro foi confiscado por Moro e hoje Palocci mofa na cadeia, à espera do amigo Lula.

Delação de Marcelo Odebrecht, sobre a conta “Amigo”

“A gente botou R$ 40 milhões para uso do Lula”

“Tinha um saldo de uns R$ 40 milhões. Aí o que eu combinei com o Palocci, essa era uma relação minha com a presidência do PT no Brasil. Vai mudar o governo, vai entrar a Dilma, esse saldo passa a ser gerido por ela, a pedido dela”

“A gente sabia que ia ter demanda de Lula, na questão do Instituto, para outras coisas. Vamos pegar e provisionar uma parte deste saldo. Botamos R$ 35 milhões no saldo ‘Amigo’, para uso que fosse de orientação de Lula”

“A gente entendia que Lula ainda ia ter influência no PT, como era uma relação nossa com a presidência, PT, tudo
se misturava”

“A gente botou R$ 40 milhões que viriam para atender demandas que viessem de Lula. Eu sei disso. O Lula nunca pediu diretamente. Eu combinei via Palocci. (…) Ao longo de alguns usos ficou claro que era para o Lula”

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