Perspectiva 2017

Recente pesquisa apontou que depois de O Nome da Rosa, de Umberto Eco, o livro mais lido pelos italianos continua a ser Il Gattopardo, escrito em meados do século passado por Giuseppe Tomasi di Lampedusa. Dá alma à obra um ancestral do próprio autor que assistiu aos árduos anos do risorgimento. Lampedusa olha a Europa como um origami de muitas dobras, consegue abri-lo e conclui que é necessário “mudar muito para que tudo continue como está”. A interpretação menos conservadora dessa frase, aceita pelos observadores do tabuleiro político europeu, dá conta de que novos tempos trazem embutidos, necessariamente, traços daquilo que se julgou superado. Pois bem, são tais traços que farão que a nova época também retroceda e decaia, mais cedo ou mais tarde, até porque jamais uma união comercial, legislativa e geopolítica prometeu-se perene no continente europeu. A Europa se impôs ao mundo conforme seus estados nacionais foram se consolidando, mas também no compasso político em que um país (europeu) foi se sobrepondo a outro país (também europeu).

É importante olhar o longínquo DNA da União Europeia para se entender o seu atual derretimento – aquilo que o analista e escritor Gilles Lapouge chama de rachadura da “porcelana mal cozida”, ou seja, o “mudar muito para não mudar nada” de Lampeduza. O Reino Unido sai do bloco com o Brexit, os italianos repudiam em referendo a reforma constitucional, a extrema-direita de Marine Le Pen segue imantando os franceses, os partidos populistas encantam os europeus. E pensar que um dos pilares da União Europeia foi (foi mesmo?) o livre trânsito pelas fronteiras! Nesse momento em que a Alemanha fala sozinha no “dever ético” de acolhimento a imigrantes, a busca da paz na Europa envolve, é claro, a flexibilização territorial. O nó é como fazê-la com atentados, imigrantes e desemprego.

Nesse imbróglio, é na economia que pode estar a grande saída, passando pela inevitável, mas não necessariamente nociva, desglobalização – termo usado amiúde por Barack Obama e que ele traduz por “precisamos trazer novamente a produção para bem perto dos consumidores, temos de reaproximar produtores e consumidores”. Está na França essa tentativa de solução: Arnaud Montebourg, líder socialista que entra com força na corrida presidencial em 2017 depois do recuo de François Hollande. Resta saber, porém, se a França de Montebourg será economicamente forte somente para ela própria ou para a União Europeia. Tudo depende de seu flerte com o populismo. Fica a reflexão para 2017.

Os EUA de Donald Trump

Nos EUA, o caminho da conciliação poderá ser ainda mais difícil do que a sinuosa estrada que a Europa terá de percorrer. Na maior potência do mundo, também é necessário olhar para o passado para compreender a cisão entre política e sociedade. Com o fim da Guerra Fria, muitos pensaram que a extinção do inimigo comum significaria unidade, mas foi justamente naquele período que o povo americano começou a se polarizar. A tendência se aprofundou nos anos seguintes, com eleições cada vez mais apertadas e conflitos maiores no Congresso. Os motivos que os políticos possuíam para achar um meio de campo foram desaparecendo à medida em que o mapa eleitoral foi sendo desenhado de maneira cada vez mais protecionista. Regiões com amplas maiorias democratas ou republicanas fizeram com que as eleição primárias se tornassem mais importantes do que os pleitos em si. O problema é que delas costumam participar apenas as alas ativistas, justamente aqueles que se radicalizaram nos últimos tempos. “O efeito disso são candidatos que não buscam acordos com o outro lado”, diz Geraldo Zahran, professor de Relações Internacionais da PUC-SP. “Protegidos por eleitores radicais, serão derrubados nas próximas primárias se traírem essas pessoas”.

Infelizmente, a perspectiva para 2017 não pode ser de total otimismo. Democratas não parecem dispostos a fazer um acordo. E os republicanos moderados estão com a corda no pescoço devido à vitória de Trump. Em seu discurso de posse, o presidente eleito pediu união. Mas as escolhas radicais que vem anunciando demonstram que as palavras não passam de retórica vazia. Se a harmonia acontecer, será apesar de Trump. E não por causa dele.

Três testes para 2017 

Donald Trump começa a governar de fato, no dia 20 de janeiro, ao tomar posse na presidência dos EUA. Ao que tudo indica cumprirá as promessas de campanha e mergulhará o país e o mundo numa onda de intolerância

A União Europeia tem a sua prova de fogo no dia 23 de abril: primeiro turno da eleição presidencial na França, com grande possibilidade de a extrema direita sair-se vitoriosa

Angela Merkel joga a sua cartada decisiva nas eleições legislativas ao tentar pela quarta vez o cargo de chanceler. A sua derrota será a vitória da política de repúdio aos imigrantes e refugiados