Nas profundezas da floresta tropical da Libéria, costa oeste da África, encontra-se uma ilha fluvial sem nome. Informalmente, ela é conhecida como a Ilha dos Macacos. Isso porque o local serve de morada para dezenas de chimpanzés que estão lá graças a uma iniciativa irresponsável de um grupo de cientistas americanos. Desde a década de 1970 até meados dos anos 2000, os animais foram inoculados, para efeito de estudo, com patologias infecciosas, como a hepatite B e a doença do sono. Depois, em vezes de darem um destino mais nobre para os primatas, os cientistas do Banco de Sangue de Nova York (ou NYBC, na sigla em inglês) os abandonaram à própria sorte. Na semana passada, as condições às quais esses bichos foram deixados viralizaram na internet, com milhares de defensores dos direitos dos animais reclamando da imprudência do laboratório. Não é só. Agora, os especialistas alertam para os riscos de os macacos espalharem uma série de doenças mundo afora.

Os chimpanzés são o principal vetor de várias doenças graves que atacam o homem. A maioria delas apareceu nos confins da África e se espalhou por meio do contato de seres humanos com a natureza. No caso da Aids, ainda hoje uma das maiores ameaças mundiais à saúde pública, que já matou mais de 35 milhões, pesquisadores suspeitam que o vírus chegou à população depois que caçadores entraram em contato com macacos contaminados, provavelmente na República Democrática do Congo. Ao lado do HIV, enfermidades como ebola, zika e febre amarela passaram de primatas para o homem. “Macacos podem ser considerados um perigo para a humanidade no sentido da transmissão de doenças”, diz o infectologista Ricardo Diaz, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

ALERTA: O virologista Ricardo Diaz reconhece que os macacos podem ser um perigo para a humanidade
ALERTA: O virologista Ricardo Diaz reconhece que os macacos podem ser um perigo para a humanidade

A varíola dos macacos, uma prima da varíola, ainda não foi passada em larga escala para o ser humano, mas essa é uma hipótese que preocupa os estudiosos. Transmitida pelo contato com símios e roedores, foi responsável por surtos no centro-oeste africano. “Como a varíola foi erradicada em 1980, quem tem menos de 35 anos não possui imunidade nenhuma”, afirma o virologista Celso Granato, também da Unifesp. “Se alguém se contaminasse com um bicho desses e pegasse um avião para Nova York seria uma catástrofe.”

Mesmo a Ilha dos Macacos possui potencial de se converter em ameaça. Os chimpanzés não sabem nadar e a ilha é distante o bastante das margens. Mas o local não é fechado e os animais são agressivos. Além disso, o contato dos primatas com aves migratórias pode ajudar a espalhar doenças, apesar de essa possibilidade não ser comprovada cientificamente. Por fim, há o risco de mosquitos levarem patologias ao outro lado do rio. Ninguém precisa, porém, ficar com medo de ir ao zoológico. Por enquanto, quem estiver longe das entranhas das florestas tropicais pode se considerar a salvo das ameaças.

“Se alguém se contaminasse com um bicho desses e pegasse
um avião para Nova York seria uma catástrofe”

Celso Granato, virologista da Unifesp

DOENÇAS TRANSMITIDAS POR MACACOS

Moléstias que foram passadas ao homem pelos primatas

Aids

Cientistas identificaram uma espécie de chimpanzé na África como a fonte da infecção da doença em humanos, provavelmente depois de caçadores entrarem em contato com animais contaminados

Ebola

Apesar de o hospedeiro original da enfermidade ser um morcego frutífero, ela passou para o homem após o contato da população com fluídos corporais de primatas infectados

Zika

Foi identificado pela primeira vez em macacos da Uganda, em 1947. Desde então, se adaptou ao ser humano e viajou para o leste asiático e América do Sul, de onde está se espalhando pelo mundo

Febre Amarela

Primatas vivendo em selvas tropicais africanas são os principais reservatórios da doença, que pode ser depois passada ao homem através da picada dos mosquitos Aedes e Haemogogus

Varíola dos Macacos

É transmitida para seres humanos por símios e roedores, principalmente em vilas da África Central e Ocidental. Seus sintomas são semelhantes aos da varíola, mas mais leves

Fotos: Gary Wales; Felipe Gabriel