Donald Trump, provavelmente o candidato à Presidência dos Estados Unidos mais controverso da história, olhou para a câmera no domingo 9 e afirmou: “Ninguém tem mais respeito pelas mulheres do que eu.” No segundo debate com a candidata democrata, Hillary Clinton, o republicano tentava se defender de um vídeo de dez anos atrás, mas divulgado só dois dias antes, em que ele afirmava que poderia fazer o que quisesse com as mulheres. O estrago foi tamanho que ele perdeu o apoio de dezenas de republicanos e até sua mulher, Melania, disse que estava ofendida. Trump se desculpou, mas, durante a semana, o comportamento desrespeitoso do qual se gabava naquele vídeo ficou evidente em outras ocasiões. Duas mulheres disseram ao jornal The New York Times que o magnata as agarrou a força. O mesmo aconteceu a uma repórter da revista People, que escreveu o depoimento em primeira pessoa. Na noite da quarta-feira 12, foi divulgado o vídeo de uma gravação de um programa especial de Natal de 1992, em que, ao observar um grupo de meninas, Trump afirma que iria namorar uma delas dali a dez anos. Como diz uma das frases preferidas dos participantes de reality shows, gênero que o próprio Trump já estrelou, “sua máscara caiu.”

O magnata errou com as mulheres brancas, que têm sido fiéis ao Partido Republicano

Embora nunca tenha sido uma unanimidade dentro do Partido Republicano, o candidato manteve o apoio dos correligionários quando fez comentários preconceituosos contra mexicanos, muçulmanos, pessoas com deficiência e mulheres fora do padrão de beleza. Dessa vez, no entanto, o candidato ofendeu um grupo que tem sido fiel ao partido nas últimas eleições: as mulheres brancas. “As mulheres, de maneira geral, preferem os democratas desde 1980, mas as brancas especificamente têm votado mais nos republicanos e eles precisam desses votos”, disse à ISTOÉ Nadia Brown, professora de Ciência Política da Universidade de Purdue, em Indiana, e estudiosa do comportamento feminino na política americana. “Trump não pode marginalizá-las.” Em 2012, o republicano Mitt Romney superou o presidente Barack Obama com folga entre as mulheres brancas: a vantagem foi de 14 pontos. Em 2008, elas preferiram os conservadores numa proporção de 53% a 46%, e, em 2004, de 55% a 44%. “A indignação de agora é maior também porque a elite do Partido Republicano pode relacionar as mulheres assediadas por Trump com suas próprias mulheres, filhas e irmãs”, afirma Nadia.

DEBATE: Hillary e Trump no domingo 9: muitos ataques, poucas ideias
DEBATE: Hillary e Trump no domingo 9: muitos ataques, poucas ideias

O reflexo negativo mais imediato da postura inapropriada do candidato pôde ser sentido pela campanha republicana na semana passada, quando ao menos dois grandes doadores pediram o dinheiro de volta. “Seus comentários sobre o gênero feminino são muito infantis e constrangedores na sociedade atual”, escreveu um deles em e-mail publicado por vários veículos americanos. “Tenho três filhas pequenas e não vou apoiar um homem machista e bruto.” A crise teve efeito devastador dentro da legenda. Declarando-se “enojado” com o comportamento de Trump no vídeo de 2005, o principal líder conservador e presidente da Câmara dos Deputados, Paul Ryan disse que não apareceria mais ao lado dele na campanha – e o sentimento de rejeição parece ser compartilhado pelos eleitores. Uma pesquisa da Reuters/Ipsos realizada após o segundo debate entre Trump e Hillary mostrou que um em cada cinco eleitores republicanos considera que os comentários de Trump o desqualificam para a Presidência, e a vantagem de Hillary aumentou de cinco para oito pontos percentuais. Outras sondagens mostram que a liderança da democrata tem crescido não só nacionalmente, mas também em Estados-pêndulo, aqueles que decidem a eleição no país.

REAÇÃO Paul Ryan, líder do Partido Republicano, e Melania, mulher de Trump: ele disse estar “enojado” e ela, “ofendida”

DISPUTA SOBRE CARÁTER

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Ainda assim, é sintomático que 18% do eleitorado, segundo a Reuters/Ipsos, se recusem a apoiar qualquer um dos dois candidatos – e parte disso é devido à ausência de uma verdadeira discussão sobre políticas públicas e do estabelecimento de uma agenda para o país perseguir nos próximos quatro anos. “Essa eleição é totalmente inédita, porque nunca um homem competiu contra uma mulher pela Casa Branca, mas também porque ela se tornou uma disputa muito pessoal sobre o caráter de cada um”, afirma Jeffrey Anderson, analista de política do Instituto Hudson, de Washington. “Hillary não quer que essa seja uma campanha sobre grandes temas, porque é difícil encontrar alguma área em que os eleitores se entusiasmem pelo que ela tem a dizer, como a Suprema Corte e o Obamacare.” O debate mais recente foi rico em exemplos dessa campanha contaminada pelo culto à personalidade e nada indica que o próximo, marcado para a quarta-feira 19, será diferente. No domingo 9, os mediadores perguntaram se os candidatos se consideravam bons exemplos para a juventude e se o adversário poderia ser um bom líder. Em outro momento, Trump ameaçou prender Hillary se eleito (pelo uso de um servidor privado de e-mail quando era Secretária de Estado).

Enquanto vê sua base de apoio desidratar nas semanas finais da campanha, o bilionário tenta contra-atacar, desacreditando as pesquisas de opinião (“são manipuladas”, disse num comício na Pensilvânia), os jornalistas (chamou uma repórter do jornal The New York Times de “ser humano repugnante”), as mulheres que o acusam de assédio (“olhe para ela”, disse sobre a jornalista da People) e o ex-presidente Bill Clinton, marido de Hillary. “Nunca houve ninguém na história da política dessa nação que tenha sido tão abusivo com as mulheres”, disse, depois de promover uma coletiva de imprensa com três mulheres que acusaram Clinton de assédio sexual no passado. O sexo entrou de vez na campanha – e essa é uma péssima notícia para Trump.

Desastre de imagem
O que disse a opinião pública americana depois do segundo debate

em cada 5 eleitores republicanos afirma que os comentários de Trump sobre as mulheres o desqualificam para a Presidência

8 pontos
Era a vantagem de Hillary sobre Trump na quarta-feira 12. Na semana anterior, o índice estava em 5 pontos

18%
Dos americanos não querem votar nem em Hillary nem em Trump

Fonte: Reuters/Ipsos

Fotos: Stephen Crowley/The New York Times; Patrick Semansky/AP Photo; Shannon Stapleton/Reuters; Gary Cameron/ Reuters


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