O terremoto provocado pelo Brexit teve um impacto gigantesco na política britânica, com a intensificação da demanda por independência na Escócia e a explosão de uma revolta contra o líder trabalhista Jeremy Corbyn.

“O Reino Unido em que a Escócia votou em 2014 não existe mais”, afirmou neste domingo Nicola Sturgeon, chefe do Governo regional da Escócia, em uma entrevista à BBC.

O segundo referendo de independência “é muito provável”, destacou a líder escocesa, após a publicação de uma pesquisa que aponta 52% de apoio à secessão na Escócia.

“Meu desafio é decidir a melhor maneira de proteger os interesses da Escócia, como posso evitar que nos retirem da União Europeia contra a nossa vontade”, explicou Sturgeon.

Sturgeon anunciou no sábado que vai evitar Londres e pedirá conversas diretas com Bruxelas e outros Estados membros para “proteger o espaço da Escócia” no bloco europeu, depois que os escoceses apoiaram em peso a permanência na UE, ao contrário do conjunto do país.

O histórico referendo britânico de quinta-feira terminou com a vitória dos partidários da saída, com 52% dos votos, contra 48% dos defensores da permanência.

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Mas Escócia e Irlanda do Norte votaram em sua maioria a favor da UE.

Os escoceses votaram 62% pela permanência e 38% contra.

“Isto não vai ser uma reedição do referendo de 2014”, disse Nicola Sturgeon, a respeito do referendo organizado pela Escócia, com autorização de Londres, no qual a permanência do país dentro do Reino Unido foi vitoriosa.

“O Reino Unido em que a Escócia votou em 2014 não existe mais. A realidade é que não há regras, não há precedentes”.

“A independência não é meu ponto de partida neste assunto”, disse Sturgeon, dando a entender que a prioridade é permanecer na UE.

Sturgeon pertence ao Partido Nacionalista Escocês, que chegou ao poder depois do referendo de 2014.

“O que acontecer daqui por diante deverá ser negociado” advertiu.

Irlanda do Norte

Na Irlanda do Norte, a outra frente regional que se abre a Londres, o referendo teve vitória da permanência na UE, com 56% a 44%.

O líder unionista Ian Paisley Jr. sugeriu a seus seguidores que tirem o passaporte irlandês.

O gesto de Paisley é ainda mais simbólico porque seu falecido pai, Ian, foi um feroz líder pró-Londres durante os piores anos do conflito do Ulster.


“Meu conselho é que, se você tem direito a um segundo passaporte, o consiga”, disse Paisley, deputado unionista em Londres.

O Brexit jogou sal nas feridas de Belfast, onde a divisão entre católicos e protestantes e a recordação de três décadas de violência continuam muito presentes.

Muitos nacionalistas, que apoiam uma Irlanda unida e que não se sentem britânicos, estão preocupados com a possibilidade de que o Brexit resulte no retorno ao controle direto de Londres, sem o contrapeso de Bruxelas.

Poucas horas depois do resultado do referendo, o partido nacionalista irlandês no Ulster, o Sinn Fein, afirmou que o Brexit justificava uma votação para que a Irlanda do Norte se unisse à República da Irlanda.

“Qualquer um, menos Boris”

O Parlamento de Wesminster se reunirá na segunda-feira pela primeira vez depois da vitória dos partidários da ruptura com Bruxelas e o anúncio da renúncia do primeiro-ministro conservador David Cameron, que será efetiva em outubro.

Nos próximos meses, o Partido Conservador terá que escolher um novo líder e primeiro-ministro. Alguns setores já trabalham para afastar da disputa o ex-prefeito de Londres e líder da campanha do Brexit, Boris Johnson, em uma operação que a imprensa batizou de “Qualquer um, menos Boris”.

“Boris tem que demonstrar que além de um bom político é um bom estadista”, disse o deputado conservador Malcom Rifkind, que foi integrante dos gabinetes de Margaret Thatcher e John Major.

A mais cotada para superar Johnson é a ministra do Interior, Theresa May, que era favorável à UE, mas que não se comprometeu durante a campanha.

“May tem de longe muito mais experiência, foi ministra nos últimos seis anos e com muito sucesso”, completou Rifkind, entrevistado pela BBC.

Revolta aberta contra Corbyn

Na oposição, o líder trabalhista Jeremy Corbyn demitiu o porta-voz das Relações Exteriores do partido, que na política britânica é conhecido como o “ministro das Relações Exteriores à sombra”, Hilary Benn, depois que este buscou apoios para uma moção de censura apresentada por duas deputadas e que será debatida na segunda-feira.


A crisis resultou em outras demissões dentro do gabinete trabalhista e o incêndio não parece controlado.

A porta-voz trabalhista da Saúde, Heidi Alexander, já havia anunciado sua saída em protesto contra a demissão de Benn.

“Está muito claro que existe uma grande inquietação entre os deputados trabalhistas e do gabinete à sombra a respeito da liderança de Jeremy Corbyn”, afirmou Benn em um comunicado.

Filho do histórico dirigente trabalhista Tony Benn, Hilary Benn é considerado por muitos setores como a pessoa que poderia salvar o partido de uma terceira derrota consecutiva nas eleições legislativas.

“Em particular, não há confiança de que seremos capazes de vencer as próximas eleições se Jeremy continuar como líder”, completou.

As eleições estão previstas para 2020, mas podem acontecer antes do esperado depois do Brexit.

“Em uma ligação a Jeremy, eu disse que, por todas estas razões, havia perdido a confiança em sua capacidade de liderar o partido e me demitiu”, explicou Benn.

De acordo com a BBC, Hilary Benn havia tentado convencer membros do partido a renunciar caso Corbyn se negasse a deixar o cargo.

Depois disso, segundo uma fonte do partido, Corbyn “perdeu a confiança” em Benn.

Corbyn é criticado por não ter conseguido ou não ter sequer tentado convencer o núcleo duro do eleitorado operário do trabalhismo. De acordo com os números, 37% dos trabalhistas votaram pelo Brexit, desafiando a linha oficial do partido.

Reação da UE

O presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, pediu ao primeiro-ministro David Cameron que inicie o processo de saída da UE na terça-feira, durante uma reunião de cúpula europeia.

“O objetivo e a própria existência de nossa União têm sido questionados. Nossos cidadãos e o mundo precisam, no entanto, de uma União Europeia forte, como nunca até agora”, declarou a chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini.

al/fp


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