Geraldo Bernardes é certamente um dos mais importante técnicos de judô que o Brasil já teve. Orientou Aurélio Miguel, Rogério Sampaio e Tiago Camilo, entre outros que, juntos, ganharam seis medalhas olímpicas. A sétima poderia sair com Rafaela Silva ou Victor Penalber, mas será conquistada ainda no Maracanã, na cerimônia de abertura. No Rio-2016, Geraldo é membro do time de refugiados e acompanha dois congoleses que acolheu como filhos: Yolande Mabika e Popole Misenga.

“Será que eles vão ganhar medalha? Como técnico, tenho que dizer que vão ganhar, mas a medalha de ouro foi a medalha social. Foi a medalha da transformação. O Popole e a Yolanda já ganharam as medalhas deles. Fui a quatro Olimpíadas e ganhei seis medalhas. Nessa Olimpíada, minha sétima medalha é dirigi-los”, aponta o treinador.

Técnico da seleção brasileira nas décadas de 1980 e 1990, Geraldo em 2000 montou um projeto social na Cidade de Deus. Três anos depois, uniu-se ao pupilo Flávio Canto e criou o Instituto Reação, que hoje atende cerca de 1.250 crianças e adolescentes em cinco polos espalhados por áreas carentes do Rio.

Foi Canto, bronze nos Jogos de Atenas, quem levou os congoleses ao Reação. “Um dia o Flávio apareceu com essas duas peças. Eles estavam com fome e queriam matar a saudade do judô. Nós os amparamos, demos quimono, mas não pensávamos em Olimpíada. Passado um ano é que o (Thomas), Bach falou em ter refugiados na Olimpíada”, lembra o treinador, que, desde então, passou a receber suporte do Comitê Olímpico Internacional (COI), do qual Bach é presidente, e da Confederação Brasileira de Judô (CBJ).

Os congoleses chegaram ao Rio para o Mundial de Judô, em 2013, mas foram abandonados sem dinheiro no hotel. Não chegaram a competir e perambularam pelas ruas, sem emprego e sem oportunidades. Passaram fome até serem acolhidos pela Cáritas, entidade social que trabalha na defesa dos direitos humanos, que acionou Canto. Foram quase dois anos afastados do judô.

Quase esqueceram o que é ser atleta. Mesmo assim, depois da possibilidade apontada pelo COI, passaram a fazer campings de treinamento com a seleção brasileira e rapidamente evoluíram. Nos últimos treinos, lutaram de igual para igual contra judocas do Azerbaijão e da Austrália. Não chegam à Olimpíada com o mesmo status de Rafaela Silva, outra atleta treinada por Geraldo, ainda que, de certa forma, as histórias deles sejam parecidas. Os africanos são o que ela era quando chegou ao Reação.

“A Rafaela veio de uma comunidade carente e, no primeiro treino, passou mal porque não tinha tomado café. Ela só se tornou a Rafaela que vocês conhecem porque a gente começou a dar apoio”, orgulha-se o treinador. No Rio, porém, Geraldo parece não se importar tanto em levar um atleta ao pódio. Está encantado com a possibilidade que os congoleses, sem querer, lhe ofereceram. “Para mim, essa é a Olimpíada da solidariedade, da humanidade, da pessoa pensar no próximo.”