A situação na Venezuela se agrava a cada átimo de tempo. Nos últimos quatro meses, o governo de Nicolás Maduro já matou mais de cem pessoas em manifestações populares e prendeu 5 mil venezuelanos que desejam o fim da ditadura no País, à beira de uma guerra civil. Para fazer o governo chavista retroceder, os países do continente, incluindo o Brasil, suspenderam a Venezuela do Mercosul. Reunidos em Lima, no Peru, na última terça-feira 9, sob a liderança do ministro das Relações Exteriores do Brasil, Aloysio Nunes Ferreira, os países da região deixaram claro que “é inadmissível a existência de uma ditadura na Venezuela”, como diz um dos trechos do documento final. Nessa reunião, decidiu-se também que a Venezuela fica proibida de receber armamentos e material de segurança usado na repressão, como gás lacrimogêneo. Em entrevista à ISTOÉ, Aloysio crítica o apoio do PT à ditadura venezuelana, afirmando que os petistas “lambem as mãos de Maduro”. Para ele, essa postura do PT “causa ojeriza a todos os que prezam a democracia”.

 

Na reunião de terça-feira 9, em Lima, os chanceleres da América do Sul discutiram soluções para a crise venezuelana. Há uma preocupação com eventual agravamento da crise social na Venezuela?

A preocupação com o agravamento da crise na Venezuela é uma constante e tem atenção prioritária dos países da região. Nossa reunião em Lima deixou claro que é inadmissível a existência de uma ditadura na Venezuela, não só aos olhos do Brasil e dos países do Mercosul, mas também aos olhos da maioria das democracias no mundo. No documento assinado ao final do encontro, deixamos clara nossa preocupação com a crise humanitária que o país enfrenta e condenamos o governo venezuelano, entre outros motivos, por não permitir a entrada de alimentos e medicamentos em apoio ao povo do país. Decidimos também proibir o comércio de armamentos e material de segurança usado na repressão, como gás lacrimogêneo, e não reconhecer a legalidade de qualquer decisão dessa constituinte ilegítima que o governo Maduro inventou para usurpar os poderes da Assembleia Nacional.

 

Como o senhor vê o fato de os governos Lula e Dilma sempre terem apoiado a ditadura de Chávez e Maduro?

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

O governo do PT tolerou desvios autoritários do governo Maduro que levaram ao rompimento da ordem democrática estabelecida na própria Constituição bolivariana. Os petistas não diferenciam o chavismo — corrente política que se explica dentro da história da Venezuela — da escalada ditatorial de Maduro. Na Venezuela, até mesmo personalidades políticas ligadas ao chavismo, como a procuradora-geral Luisa Ortega, são críticas e não aceitam o rumo ditatorial que o atual governo tomou. O PT continua seguindo essa linha de apoio explícito ao governo venezuelano de maneira quase cega: basta o Maduro chamar que o PT vai lá lamber a mão dele. Essa postura do PT, ao mesmo tempo em que causa ojeriza a todos os que prezam a democracia, serve como catalizador de uma militância radical e raivosa que é o patrimônio político que lhe resta.

 

O senhor acha que há risco de uma guerra civil?

A situação na Venezuela vem se agravando a passos largos. Causa repulsa o custo do autoritarismo em vidas humanas. Assistimos com indignação como vem crescendo não só o número de mortos e feridos nas manifestações, mas também a quantidade de presos políticos. A isso, podemos acrescentar ainda a degradação do quadro social. Pesquisas de universidades venezuelanas apontam que mais de 80% da população da Venezuela vive hoje abaixo do nível de pobreza. O Brasil acompanha com muita atenção os desdobramentos dessa crise e continuará atuando para contribuir para a restauração da democracia na Venezuela por meio de uma solução pacífica.

É verdade que já há movimentação de tropas brasileiras na fronteira, temendo o recrudescimento da guerra social na Venezuela?

O Brasil mantém contingentes adequados para o patrulhamento e defesa de suas fronteiras.

 

O Brasil pode enviar tropas de paz para a Venezuela?

Nós estamos aqui entrando em um campo de especulação. Antes de mais nada, os problemas venezuelanos têm de ser resolvidos pelos próprios venezuelanos, eventualmente com ajuda ou mediação de atores externos. No momento, não há discussões no âmbito das Nações Unidas para estabelecimento de uma missão de paz, que só pode acontecer com a concordância do governo venezuelano. E o Brasil só participa de missões de paz com mandato da ONU.

 


O que o presidente Maduro precisa fazer de imediato para a ordem democrática ser restabelecida?

Antes de mais nada, as autoridades venezuelanas precisam aceitar negociar com a oposição uma transição pacífica rumo ao restabelecimento da ordem democrática. Isso passa, no entender da oposição, pelo cancelamento da constituinte, pelo reconhecimento das prerrogativas da Assembleia Nacional, pela liberação de todos os presos políticos e pela definição do calendário eleitoral.

 

No sábado, em reunião em São Paulo, os chanceleres do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai suspenderam a Venezuela do Mercosul pela “ruptura da ordem democrática”. É a segunda suspensão da Venezuela. Ela pode ficar definitivamente de fora do Mercosul?

Não falamos em expulsão da Venezuela do Mercosul, já que não existe essa figura jurídica nos acordos do bloco. Existe sim a suspensão pelo tempo em que o país violar as normas do bloco e sua cláusula democrática. A Venezuela poderá voltar a participar integralmente do bloco desde que atenda aos requisitos exigidos de todos os membros do grupo. Entre eles, um dos mais importantes é a manutenção da democracia.

 

Como o governo brasileiro viu também a destituição da procuradora-geral da Venezuela, Luisa Ortega? Foi uma afronta ao Estado de Direito?

O governo brasileiro condena a destituição da procuradora-geral da Venezuela, Luisa Ortega. Sua destituição foi arbitrária e ilegal, compromete a independência do Ministério Público e a preservação das garantias e liberdades fundamentais. Foi mais uma confirmação de que hoje a Venezuela vive um estado de exceção, uma ditadura.

 

Com o encarceramento dos líderes da oposição, dá para dizer que a Venezuela não tem mais espaço para manifestações democráticas?

Manifestações democráticas da sociedade, das igrejas e dos eleitos oposicionistas acontecem diariamente. A própria Assembleia Nacional vem se reunindo e os deputados tentam exercer os mandados para os quais foram eleitos. Infelizmente, são reprimidos violentamente pelo governo. A vontade popular expressa nessas manifestações deveria inspirar a busca de uma negociação efetiva a favor da paz e da democracia. O regime de Nicolás Maduro, ao invés disso, reprime as manifestações populares com violência e prende arbitrariamente centenas de manifestantes.

 


Por que o Brasil e o Mercosul não impuseram sanções econômicas à Venezuela?

Porque impor sanções econômicas acaba prejudicando venezuelanos e brasileiros. Taxar os produtos venezuelanos que nós importamos, principalmente petróleo, prejudicaria o consumidor brasileiro, um verdadeiro tiro no pé. No outro sentido, exportamos basicamente alimentos, essenciais para os venezuelanos mais pobres. Em todas minhas conversas com representantes da oposição venezuelana, nunca nos pediram a imposição de sanções econômicas.

A Constituinte fraudulenta de Maduro alimenta ainda mais espaço para a guerra civil?

A constituinte, conforme estabelecida pelo governo Maduro, é um atentado contra a democracia e a soberania popular e gera mais instabilidade no país. É a medida mais recente dentro dessa escalada autoritária. Representa o abandono definitivo de qualquer compromisso com o Estado de Direito.

 

Comenta-se que 140 mil venezuelanos já deixaram o País por falta de condições de vida. Só para o Brasil teriam vindo 77 mil, principalmente para Roraima. Como esses venezuelanos estão vivendo no Brasil?

Em 2017, foram registrados cerca de 8.000 pedidos de refúgio de cidadãos venezuelanos no Brasil. Há relatos de que pode haver um número maior de venezuelanos chegando ao Brasil sem registro oficial. As informações disponíveis dão conta de que hoje cerca de 10.000 venezuelanos se estabeleceram em território nacional. O governo federal, em conjunto com os governos estaduais e municipais, principalmente Roraima e Boa Vista, está trabalhando para inserir essa população deslocada na sociedade local e garantir-lhe condições dignas de vida.

 

Como o senhor vê o movimento de alguns governadores do PSDB que desejam que o partido deixe o governo Temer?

Houve divergência em relação a esse tema, algumas públicas, mas hoje (esse tema) está fora da ordem do dia. O partido apoia as medidas que o presidente vem tomando para superar a crise recebida do governo petista. Há também a percepção compartilhada dos riscos decorrentes da ingovernabilidade.

 

O senhor acha que os rebeldes que votaram contra Temer no processo da continuidade do processo por corrupção passiva retornarão à base aliada para votar as reformas?

O PSDB sempre afirmou que, mesmo se saísse do governo, continuaria a apoiar as reformas. Portanto, não vejo por que os deputados que votaram pela continuidade da denúncia votem contra as reformas.

 

O senhor acha que o presidente Temer voltará a ter os 308 votos para retomar a aprovação das reformas, como a da Previdência?

Evidentemente. Há um conjunto de partidos que apoia o programa de reformas que o presidente Michel Temer se comprometeu a fazer. O PSDB é a favor da reforma da Previdência enviada à Câmara.

 


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias