Escrita em inglês em uma caixa de papelão na entrada de uma loja na movimentada área de Las Ramblas, em Barcelona, a frase “Velas grátis” resume o estado de espírito da cidade. As velas são acesas em memória das vítimas do atentado que matou 16 pessoas e deixou centenas de feridos no maior ataque terrorista à Espanha desde 2004. No mais movimentado bulevar da capital catalã, duas semanas após uma van ter invadido a área restrita a pedestres e espalhado pânico e morte, comerciantes e artistas estão de volta ao trabalho. Turistas fazem o percurso da Plaça Catalunya ao antigo estaleiro Drassanes dividindo-se entre fotos dos pontos turísticos e dos memoriais improvisados. Enquanto as velas e flores homenageiam aqueles que não serão esquecidos, cartazes com mensagens de paz mostram que Barcelona está, sim, de luto, ao mesmo tempo em que luta contra o medo, a xenofobia e o ódio extremista.

Em 2004, um ataque jihadista deixou 191 mortos quando dez bombas explodiram na hora do rush em quatro trens lotados que se dirigiam para a estação ferroviária de Atocha, em Madrid. A capital espanhola se tornava então o maior alvo do terror desde a explosão das Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001, em Nova York. O episódio foi traumático para os espanhóis, mas o país recuperou a confiança. A sensação mudou no dia 17 de agosto, quando Barcelona foi vítima de uma operação semelhante aos atentados ocorridos em Berlim, Nice e Estocolmo. Um veículo percorreu em zigue-zague um trecho de cerca de 500 metros atropelando quem estava no caminho. “A sensação era de impotência”, diz um vendedor que estava trabalhando quando tudo aconteceu. “Você quer sair e ajudar as pessoas mas não pode, para não se colocar em uma sensação de risco”. Enquanto falava com a reportagem, uma operação policial fechava as ruas que dão acesso a Las Ramblas. O motivo: a manifestação que reuniu 500 mil pessoas contra o terrorismo no sábado 26. Ela foi batizada de “No tinc por” (“Não tenho medo”, em catalão).

SOLIDARIEDADE Policial recebe abraço durante homenagem às vítimas: a cidade supera a dor (Crédito:Santi Palacios)

“Violência há em todo lugar, inclusive entre catalães e espanhóis. Não podemos responder com mais violência” María Munõz, ex-professora, 87 anos

O atentado, reivindicado pelo Estado Islâmico, causou uma reação instantânea da extrema direita catalã. Um grupo chegou a fazer um protesto pedindo que muçulmanos e imigrantes deixassem a Europa. A “turismofobia” também não é novidade em Barcelona e parte também da extrema esquerda. Só este ano, pelo menos sete hotéis de Barcelona foram vandalizados por grupos anticapitalistas que denunciam o excesso de exploração turística. O que se viu na manifestação de sábado, no entanto, foi um discurso que nada tinha a ver com ódio. Com cartazes com dizeres como “Não à islamofobia”, e “A melhor resposta é a paz”, jovens, idosos, catalães, muçulmanos e turistas se reuniram para condenar a violência jihadista. María Munõz, de 87 anos, carregava uma rosa vermelha e uma placa que dizia não ao preconceito com o islamismo. A ex-professora conta que teve muitos alunos muçulmanos e que todos sempre lhe foram muito bons. “Violência há em todo lugar, inclusive entre catalães e espanhóis”, afirma. “Não podemos responder a esse ataque com mais violência.”

Vaias ao chefe de governo

O rei de Espanha, Felipe VI, e o chefe do Governo, Mariano Rajoy, estavam presentes na manifestação, mas cederam a dianteira da marcha contra o terrorismo aos representantes das forças de segurança e de emergência, das associações de moradores e comerciantes das Ramblas e das comunidades muçulmanas da região. Bombeiros e policiais que ajudaram as vítimas do ataque nas Ramblas foram aplaudidos pelos manifestantes. Apesar do clima de união, a divisão política entre as autoridades de Madrid e os representantes do independentismo catalão ficaram evidentes. Rajoy foi repetidamente vaiado, enquanto cartazes direcionados a Felipe o acusavam de hipocrisia por não impedir a venda de armas a regimes e grupos que apoiam o terrorismo. Para evitar novos ataques, autoridades catalãs já anunciaram o aumento da presença de policiais nas ruas, aeroportos e locais estratégicos da cidade, o reforço na vigilância em grandes eventos, manifestações e shows e a instalação de obstáculos móveis em zonas mais movimentadas. São medidas de quem tenta parar o terror mas se recusa a ser refém do medo e do ódio.

Luta contra o terror
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> Reforço policial
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> Grandes eventos
A vigilância em grandes eventos, manifestações e shows será reforçada, e perímetro de segurança será ampliado

> Obstáculos
Segundo anunciado pela Junta de Segurança de Barcelona, as autoridades vão instalar obstáculos móveis em zonas mais movimentadas da cidade