O governador petista de Minas Gerais, Fernando Pimentel, provou na semana passada que não consegue discernir as atribuições de um homem público daquelas que ocupam a agenda de sua vida privada. Pior ainda, ele demonstrou estar convicto de que o cargo para o qual foi eleito, ainda que não o coloca acima da lei, permite dar de ombros para aquilo que os brasileiros mais têm cobrado da classe política: a ética. À frente de um estado tão endividado que precisou decretar calamidade financeira, incluindo não apenas o corte de investimentos como o parcelamento dos salários de 25% do funcionalismo, Pimentel não sentiu o menor constrangimento ao usar um helicóptero oficial para buscar o filho após uma festa de réveillon em um condomínio à beira da represa de Furnas, na cidade de Capitólio, a quase 300 quilômetros de Belo Horizonte. O lugar é conhecido tanto por suas belezas naturais quanto pelas baladas de luxo, muitas vezes a bordo de lanchas. Em sua página oficial no Facebook, o governador afirmou que pretendia passar o dia 1º de janeiro na casa em que o filho estava hospedado. “Ainda no voo de ida, ele comunicou-se comigo, dizendo que não se sentia bem, e perguntava se não me incomodaria voltar mais cedo com ele para BH, em vez de almoçar lá. Obviamente, eu concordei e voltamos juntos, logo após o pouso, ainda pela manhã. Ou seja, nenhuma novidade, nada ilegal ou irregular”, escreveu Pimentel.

Caso fosse pagar a despesa do próprio bolso, o governador desembolsaria algo em torno de R$ 6 mil. Como a conta é paga pelos contribuintes, Pimentel não só fez questão de se valer do privilégio como pediu à Superintendência de Comunicação do governo que emitisse uma nota de esclarecimento, confirmando estar respaldado pela legislação mineira. É fato que um decreto estadual de 2005 prevê que o governador utilize helicópteros oficiais “em deslocamentos de qualquer natureza”. O que a nota da assessoria de Pimentel não informou é o que consta no Artigo 2º do mesmo decreto: “A utilização das aeronaves oficiais será feita, exclusivamente, no âmbito da administração pública estadual, direta e indireta, para desempenho de atividades próprias dos serviços públicos” — o que evidentemente não foi o caso da viagem para buscar o filho após a festa.61

Ainda que estivesse dentro da lei, a situação já seria uma demonstração de descaso tanto com a coisa pública quanto com as contas do governo, cuja dívida líquida em agosto atingiu 184,6% da receita, ameaçando romper o limite legal de 200%. Ironicamente, em outubro passado, o próprio Pimentel assinou um decreto restringindo o uso de aeronaves do governo como parte do esforço para controlar os gastos públicos. Ou seja, a prometida austeridade pode se aplicar aos outros integrantes do governo, mas não a Pimentel. Agravando ainda mais o descompasso entre seu entendimento do que é necessário para enfrentar a crise financeira do Estado e o que faz na prática para cortar despesas, Pimentel pretende reforçar a frota mineira de aeronaves. Dois helicópteros modelo AS350 B3e foram encomendados à fabricante Airbus, em um contrato de R$ 21,8 milhões firmado pelo Gabinete Militar do governador.

DENÚNCIAS

“Enquanto os mineiros sofrem cortes profundos de verbas na segurança pública, deixando diversos municípios sem viaturas da Polícia Militar para proteger a população, como também as viaturas do Corpo de Bombeiros deixam de socorrer vítimas porque estão quebradas nas oficinas, o governador Fernando Pimentel, do PT, continua com seus gastos desenfreados com o dinheiro público”, afirmou o deputado estadual Sargento Rodrigues (PDT), que pretende denunciar o governador junto ao Procurador-Geral de Justiça de Minas Gerais pelo crime de improbidade administrativa. “Além disso, vou mover uma ação popular pedindo ressarcimento ao erário”, disse o parlamentar. Pimentel rebateu as acusações dizendo que irá processar o deputado por “calúnia, difamação e falsa acusação de crime”. Caso seja acatada, a denúncia de Rodrigues não será a primeira contra o governador mineiro. Em maio, ele foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A acusação tem por base fatos apurados na operação Acrônimo da Polícia Federal.

SOB INVESTIGACÃO Pimentel foi denunciado no STJ por corrupção passiva e lavagem de dinheiro
SOB INVESTIGACÃO Pimentel foi denunciado no STJ por corrupção passiva e lavagem de dinheiro

O exemplo da Suécia
Onde os deputados federais sequer têm reembolso de táxi

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Enquanto no Brasil a fronteira entre público e privado permanece nebulosa a ponto de haver sigilo sobre os voos realizados por um governador de Estado até o fim de seu mandato, como ocorre em Minas Gerais, na Suécia a distinção é nítida. Lá, prefeitos e governadores não têm residência oficial. Deputados estaduais e vereadores sequer recebem salário. A vigilância sobre os gastos públicos é tamanha que uma parlamentar virou manchete por ter usado dinheiro do contribuinte em táxis. Foram 43 corridas ao longo de seis meses, ao custo total de US$ 2,6 mil, como relata a jornalista Claudia Wallin no livro “Um País Sem Excelências e Mordomias”. A revelação fez com que a deputada Mikaela Valtersson perdesse a liderança do Partido Verde. Para os suecos, ela deveria voltar para casa apenas de trem.

 


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