Talvez o personagem de história em quadrinho Hagar, o Terrível, não fosse tão feroz assim. Talvez ele fosse apenas solitário. Mas, como era um viking, no imaginário popular, ele era implacável, como os guerreiros altos, fortes e bravos. Entretanto, estudos recentes concluem que o estado de solidão, e não o espírito beligerante tão comumente associado aos vikings, é que pode ter motivado os antigos nórdicos a velejar e atacar outros povos. Uma pesquisa publicada no jornal americano “Evolution and Human Behavior” concluiu que as desigualdades sociais e os relacionamentos poligâmicos – homens muito ricos tinham várias mulheres – geravam um excesso de jovens solteiros na sociedade escandinava da época. E isso fazia com que habitantes das atuais Dinamarca, Noruega, Islândia e Suécia navegassem em busca de riquezas e escravos para adquirir status e conseguir uma esposa em seus países de origem.

Monopólio

Essa teoria volta a ser encarada como plausível após estudos do professor Mark Collard, pesquisador de biologia antropológica na Simon Fraser University, em British Columbia, no Canadá, que resultou no artigo do “Evolution”. Citada em textos pelo historiador Dudo de Saint Quentin, no século X, a explicação toma força após o grupo de Collard estudar os efeitos da poligenia, quando um homem toma várias mulheres como esposa, e do concubinato, espécie de união estável sem laços oficiais, na sociedade escandinava do século VIII. As práticas eram recorrentes entre homens com status social alto na região, que monopolizavam a população feminina, e poderiam criar grandes grupos de jovens marginalizados e sozinhos dispostos a melhorar seus recursos para deixar de ser rejeitados através de ataques a povos vizinhos.

Essa não é a primeira vez que se estuda o motivo de os vikings terem começado a atacar no século VIII. Outras pesquisas já apontaram um vasto leque de justificativas. Um dos cenários concluia que o aumento da temperatura levou a safras mais fartas e populações maiores, que seriam compelidas a atacar seus vizinhos. Alguns estudiosos citavam as inovações tecnológicas nas navegações, como a adição de recursos e velas aos barcos escandinavos, como um dos gatilhos para as invasões. Collard afirma que as explicações anteriores sobre o início das invasões vikings eram falhas e deixavam espaço para muitas perguntas. “Há quem diga que eles começaram a atacar por causa da melhoria tecnológica da navegação. Mas então por que eles escolheram invadir outros povos em vez de se dedicar a atividades mais pacíficas, como o comércio?”, diz o pesquisador.

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“Há quem diga que eles começaram a atacar por causa da melhoria da navegação. Mas então por que eles escolheram invadir outros povos?” Mark Collard, da Simon Fraser University

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Dinheiro e poder

De acordo com Collard, estudos de biologia evolucionista anteriores já apontavam que as práticas de concubinato e poligenia aumentavam as disputas sociais entre as populações masculinas mais jovens por parceiras. “Trabalhos mais antigos mostravam que havia maiores taxas de jovens mortos em guerras nas sociedades poligâmicas em comparação com as monogâmicas”, afirma. Outro fator que ajuda a corroborar a tese do pesquisador é a análise arqueológica de covas comunais e barcos vikings naufragados. Os estudiosos observaram que tudo era uma questão de status: eles iam para a guerra para conseguir dinheiro e poder. Homens de idades variadas e mais ricos também se aventuravam ao mar, mas para adquirir pilhagens e aumentar suas posses.

Apesar de haver muitos indícios que apontem a solidão de jovens solteiros como gatilho para os ataques nórdicos, Collard também considera a influência de outros fatores para o começo da Era Viking, como a entrada de novas moedas a partir da Rússia e o fortalecimento do comércio nas rotas dos Bálcãs, que podem ter ajudado a aprofundar as desigualdades sociais da época. “É possível que isso tenha aumentado a competição entre os homens. Mas ainda há outros fatores que possam ter contribuído para isso que nós ainda não conseguimos descobrir”, afirma.

Os deuses nórdicos

O povo viking seguia majoritariamente o paganismo nórdico, uma religião politeísta que prometia banquetes divinos eternos a quem morresse lutando em batalhas. Eles acreditavam que além do mundo dos homens, existia outros oito mundos – e todos seriam parte de uma árvore central chamada Yggdrasil, que representava o eixo do universo. No topo, morariam os deuses. Nos séculos VIII e IX, com a chegada do cristianismo às regiões onde hoje estão Dinamarca, Noruega, Suécia e Islândia,
o paganismo foi deixado de lado. Mas em março foi anunciada a construção de um templo em louvor aos deuses nórdicos em Reykjavik, capital da Islândia.

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