O acordão já está praticamente costurado, só falta definir os detalhes dos seus termos. Com o apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), líderes dos principais partidos da Casa vão fazer de tudo para aprovar a anistia ao crime de caixa dois realizado até agora, uma forma de escapar da bombástica delação da Odebrecht que promete atingir as principais legendas, sem distinção partidária.

A manobra será um dos principais ataques desferidos à Operação Lava Jato pelo Legislativo. O modus operandi está sendo o mesmo realizado após a Operação Mãos Limpas, na Itália, que atacou um esquema de corrupção tão vasto quanto o brasileiro, mas teve como reação dos parlamentares a aprovação de leis que afrouxaram as investigações. Junto à anistia do caixa dois, os parlamentares brasileiros querem também endurecer as regras de punição a juízes e procuradores, justamente os principais responsáveis pelas investigações que estão descortinando uma corrupção generalizada no sistema político brasileiro. Ainda costuram uma anistia penal aos empresários dentro dos acordos de leniência, sem a participação do Ministério Público.

A anistia ao caixa dois chegou a ser discutida na última quarta-feira 16 por líderes partidários no gabinete do presidente Rodrigo Maia. Ela será implantada em complemento à tipificação do crime de caixa dois eleitoral, que faz parte do pacote de dez medidas contra corrupção enviada ao Congresso pelo Ministério Público Federal. A ideia é incluir uma emenda estabelecendo explicitamente que o caixa dois realizado anteriormente não pode ser punido nem enquadrado em outros crimes. Atualmente, como o caixa dois especificamente não é crime, ele é punido geralmente como falsidade ideológica.

Deputados das mais variadas siglas já dão como certa a aprovação, com o apoio do governo. Entre oposição e base aliada, só quem critica abertamente a articulação são deputados da Rede Sustentabilidade e do PSOL. Entre os principais apoiadores estão os governistas Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA) e Danilo Forte (PSB-CE), além do ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), que defendem publicamente que a penalização do caixa dois só passe a valer a partir de agora.

MANOBRAS À LUZ DO DIA
Conheça as principais medidas que visam a enfraquecer as investigações que envolvem políticos em geral:

> Anistia ao caixa dois:
Um dos principais focos atuais da investigação é o pagamento de propina por meio de doações não-contabilizadas, o chamado caixa dois. A delação da Odebrecht, por exemplo, vai trazer numerosos relatos desse tipo. Com a aprovação da medida, nenhum político será punido pelo delito realizado no passado. A punição seria somente daqui para a frente

> Punição aos juízes e procuradores:
Parlamentares tentam incluir nas dez medidas contra corrupção uma proposta para que magistrados e membros do Ministério Público passem a responder por crime de responsabilidade. A ideia era ter como punição máxima a perda do cargo e, dentre as atitudes passíveis de punição, está até mesmo se manifestar em meios de comunicação sobre processos pendentes de julgamento. Com isso, os investigadores e juízes da Lava Jato podem acabar entrando na mira dos políticos que investigam

> Leniência sem MP:
Relatório apresentado na Câmara previa que os acordos de leniência com as empresas dariam anistia penal aos empresários, que não responderiam criminalmente pelos ilícitos, e poderiam ser assinados sem a participação do Ministério Público. Parlamentares recuaram e a medida está sendo rediscutida. Caso fosse aprovada, o governo faria os acordos de leniência e dificilmente os procuradores conseguiriam fechar delações premiadas

Abuso de autoridade
Em outras tentativas de prejudicar as investigações, a pressão da sociedade tem servido para dar um freio. No pacote das dez medidas de combate à corrupção, o relator Onyx Lorenzoni (DEM-RS) recuou nesta semana e retirou uma proposta de endurecer as punições aos juízes e procuradores, que poderia enquadrá-los em crime de responsabilidade. Lorenzoni se reuniu com integrantes da Procuradoria-Geral da República na última segunda-feira 14 e chegou a esse entendimento após a conversa. Ainda assim, os parlamentares insistem em aprovar essa medida de alguma forma e agora cogitam até incluí-la no projeto de lei sobre abusos de autoridade, articulado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), um dos principais alvos da Lava Jato. O recuo de Onyx, que resolveu excluir o assunto de seu relatório, não foi suficiente para interromper a iniciativa temerária. Logo depois, os deputados Fausto Pinato (PP-SP) e Félix Mendonça Júnior (PDT-BA) apresentaram na comissão das dez medidas a mesma proposta: incluir os membros do Ministério Público na lei que rege crimes de responsabilidade.

Paralelamente a estas articulações, a Câmara deu outro passo na contramão da opinião pública e do combate à corrupção. O líder do governo, André Moura (PSC-SE), apresentou um relatório sobre o projeto que muda as regras do acordos de leniência — uma espécie de delação premiada das empresas. O novo texto prevê, nos acordos, o perdão criminal de pessoas físicas integrantes das empresas e exclui da negociação o Ministério Público e o Tribunal de Contas.

Desrespeito Manifestantes invadem a Câmara e atrasam projeto sobre as medidas de combate à corrupção
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A proposta despertou reação imediata entre investigadores, que acusaram os deputados de colocarem a Lava Jato e outras investigações sob ameaça. A força-tarefa de Curitiba chegou a convocar uma coletiva para falar do assunto. À ISTOÉ, o procurador Ronaldo Queiroz, da PGR, afirmou que as mudanças sugeridas são inconstitucionais porque retiram dos procuradores o monopólio das ações penais. “Isso vai afetar qualquer investigação, incluindo a Lava Jato. Com esse projeto, haveria repercussão penal dos acordos de leniência sem a participação ou anuência do Ministério Público”, disse.

Parlamentares querem endurecer as regras de punição aos responsáveis pelas investigações na Lava Jato

Após a repercussão negativa, Rodrigo Maia freou a manobra e André Moura também recuou. Maia chegou a ligar para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para tratar do assunto, e desacelerou a votação do projeto para chegar a um consenso. Na última quinta-feira 17, André Moura declarou que não vai excluir o Ministério Público dos acordos de leniência. Ele próprio é diretamente interessado no assunto: Moura é investigado em um inquérito da Lava Jato no Supremo, sob suspeita de agir em conjunto com o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para achacar a empresa Schahin com requerimentos na Casa.