Em um cenário de competitividade cada vez mais acirrado, empresas de todos os portes têm recorrido à infraestrutura de cloud para acelerar seu desenvolvimento tecnológico. Mas a nuvem não pode ser considerada uma solução mágica para todos os problemas de TI. É o que afirma Gilson Magalhães, presidente da Red Hat Brasil, nesta entrevista ao SóNuvem. Confira a conversa em detalhes.

Institutos como Gartner e IDC preveem um crescimento do mercado de cloud neste ano, mesmo com as incertezas dos cenários macroeconômico e político internacional. Qual sua visão sobre essas projeções e quais setores podem impulsionar o mercado de cloud como um todo?

Magalhães: Creio que, como indicam os institutos, o mercado de cloud deve crescer fortemente este ano. A tecnologia é necessária e deve seguir com avanço acima do mercado, mesmo em momento de insegurança política e financeira.

Entre os setores que devem impulsionar o setor de nuvem, acredito que empresas do setor financeiro devem liderar, muito por conta do crescimento das fintechs. Essas startups já são criadas com plataformas totalmente baseadas em cloud. É muito raro neste segmento alguma iniciativa apoiada em aplicações locais.

Há ainda um movimento das instituições mais tradicionais, que são “puxadas” pelas fintechs para também experimentarem cada vez mais os recursos de cloud. Este movimento é mais cauteloso, mas é contínuo nos últimos anos.

Normalmente esse movimento começa por aplicações não-core, como ERP e CRM. Nesses casos, o próprio fornecedor já tem uma solução SaaS a para oferecer aos bancos. E também já vão para nuvem aplicações que estão sendo desenvolvidas do zero. O movimento mais difícil é redesenvolver ou adaptar aplicações core para o modelo cloud. Este é um processo mais lento, caro e que depende muitas vezes de mudanças culturais na empresa.

Além do financeiro, qual outro setor deve se destacar em investimentos em cloud?

Magalhães: O setor financeiro deve ser seguido pelas empresas de telecom, que vivem uma nova fase com a chegada do 5G. Atualmente não temos nenhum dos benefícios potenciais do 5G. Basicamente o que vemos são vídeos mais rápidos, o que o 4G de certa forma já fornecia.

Mas, com o crescimento de aplicações IoT, deve haver maior demanda de dados para tráfego na rede 5G, e a nuvem tem um papel nisso. Imagine por exemplo a quantidade de dados gerados pelo monitoramento de carros autônomos.

Para lidar com isso, no processo de estruturação do 5G, as telcos avançaram na virtualização de muitos sistemas e apostaram em equipamentos de hardware mais enxutos e em aplicações virtualizadas. Este tipo de aplicação naturalmente requer uma elasticidade maior no processamento de dados, algo que se casa perfeitamente com aplicações de cloud computing. Assim, o processo de migração para o 5G já tem incluído a integração com a cloud.

O mercado de infraestrutura de nuvem é disputado por players como Google, Amazon, Oracle e Microsoft. Já a Red Hat atua na camada de aplicações desse mercado, e tem parcerias com diversos desses fornecedores. Qual é a estratégia da Red Hat neste cenário?

Magalhães: A nossa estratégia de nuvem é baseada em três pilares: open, hybrid e multicloud. Ela é open pois incentivamos o desenvolvimento de aplicações baseadas em padrões de mercado. Isso facilita eventuais mudanças na aplicação e trocas de provedor de nuvem.

O hybrid é usado pois entendemos que, em grandes corporações, dificilmente todas as aplicações irão para uma nuvem pública. A realidade mais comum é que algumas soluções estarão na nuvem pública, e outras na nuvem privada, dependendo do tipo dos dados.

Já o multicloud é usado pois nossas soluções são criadas para rodar em nuvens de diversos provedores, e evitar o efeito de lock-in. Na Red Hat temos o OpenShift, que em essência é uma camada de software que permite criação e execução de aplicações em diversas plataformas de cloud.

Nos primeiros anos da estrutura de cloud, as aplicações eram mais simples e muitas empresas fecharam contratos longos com apenas um fornecedor. Com o tempo, porém, viram suas despesas com cloud aumentarem além do esperado e resolveram mudar de provedor e reestruturar suas aplicações. Porém, essa migração não é simples, tem um custo e leva tempo. Com uma estratégia multicloud já do começo, este tipo de problema é evitado. As empresas têm liberdade e fazem o balanço preciso daquilo que pode ficar in house e aquilo que vai para a nuvem.

Quais é a estratégia mais adequada para empresas que pensam em migrar aplicações para a nuvem?

Magalhães: O maior debate do momento é este, explicar para o mercado que a nuvem não é uma solução para todos os problemas da TI. A nuvem como conceito é uma boa opção tecnológica. Mas não é remédio para qualquer doença, não vai substituir tudo o tempo todo. Tem suas virtudes e limitações.

O mais indicado é ver a migração para a nuvem como uma jornada. Essa jornada vem com um passo após o outro. Quais aplicações podem ir agora, quais não vão? Fazer esse tipo de pergunta é fundamental. O errado é acordar no dia seguinte e dizer “Tenho 50 contratos para assinar, tudo está muito complexo, vou jogar tudo na nuvem e resolver esse problema”. Essa solução mágica não existe. Quem faz assim em geral se arrepende

O que a nuvem traz de benefício? Permite usar algumas soluções de IA, novas tecnologias, sem ter que internalizar a estrutura, capacitar pessoal. Essas soluções já estão prontas e é um benefício já ter isso disponível para uso. Outros benefícios da nuvem são nos casos em que é necessário mais elasticidade, no sentido da infraestrutura de armazenamento e processamento. Ela vai bem também com soluções que não são tão críticas. Caso ocorra alguma instabilidade, não trará consequências tão graves ao meu negócio.

É conhecido o problema da falta de mão-de-obra qualificada em TI no Brasil. Especificamente sobre a nuvem, como é a situação atualmente?

Magalhães: Este problema existe sim. No caso da nuvem, o crescimento deste tipo de solução foi muito acelerado nos últimos anos. E não houve tempo de o mercado formar profissionais em quantidade suficiente. Por isso, as empresas têm dificuldade em contratar.

É um desafio duplo. Por um lado, é difícil encontrar profissionais com conhecimento não só técnico, mas também do negócio das companhias. Por outro lado, é lento e custoso tentar migrar pessoas que já estão dentro da empresa – ou seja, já conhecem o negócio – para trabalhar no modelo de cloud. Por essas razões, há uma demanda enorme de profissionais para esse setor.