Indiciado pela Polícia Federal e denunciado por corrupção passiva pelo Ministério Público na Operação Acrônimo, que apura desvio de dinheiro público para financiamento de campanhas eleitorais, o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, está encalacrado. Na recente denúncia contra o governador, a Procuradoria-Geral da República sustentou que a Odebrecht pagou propina a um emissário do governador e que, para receber os repasses ilícitos, cada um de pelo menos R$ 500 mil, o agente a mando do petista tinha de dizer uma senha, em geral hortifrutigranjeira, como “manga” e “alface”. O que se verá adiante, nas páginas de ISTOÉ, é que o recebimento de vantagens pessoais, na forma de propina, era uma prática cotidiana do casal Pimentel. O mais grave, desta vez, é que a própria primeira-dama, Carolina de Oliveira, recebia a propina pessoalmente, sempre a mando do marido, e usava o dinheiro fruto da corrupção para pagar despesas do dia a dia, como faturas do cartão de crédito e até parcelas de um imóvel. É o que revela a delação premiada da dona da agência de publicidade Pepper Interativa, Danielle Fonteles, obtida com exclusividade por ISTOÉ.

A Pepper foi contratada por Pimentel para assumir a comunicação digital de sua campanha em 2010. O convite foi a porta de entrada para crimes apontados pela Operação Acrônimo. Oficialmente, a agência recebeu R$ 90 mil pelo trabalho, segundo a delatora. Mas pelo menos R$ 1,5 milhão teria entrado “por fora”.54

Segundo Danielle, o próprio candidato Fernando Pimentel lhe orientou a procurar as quatro empresas responsáveis pelo repasse. O acerto foi o seguinte: o SETRABH (Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte) entrou com R$ 600 mil, a empreiteira Camter pagou R$ 150 mil, a construtora Egesa, R$ 600 mil, e a ECB (Empresa Construtora do Brasil), R$ 120 mil. “Após ser contratada por Fernando Pimentel para atuar na campanha para senador, conforme orientação deste, se dirigiu para as empresas acima mencionadas para viabilizar o acerto financeiro”, diz trecho da delação.

De acordo com o depoimento, a primeira-dama participou das reuniões que chancelaram o caixa dois da campanha ao Senado. Carolina, ainda conforme relato de Danielle, era agraciada com uma propina de 50% em cima do lucro da Pepper nesses contratos, mesmo sem prestar qualquer tipo de serviço. “50% do lucro de cada contrato firmado com as empresas acima indicadas eram repassados para Carolina de Oliveira Pereira. Que questionada sobre qual o tipo de serviço prestado por Carolina para Pepper para justificar o recebimento daqueles 50%, a colaboradora disse que Carolina de Oliveira não prestava nenhum tipo de serviço para Pepper em contraprestação aos 50% recebido”, diz outro trecho da delação.

Marcação cerrada

Conforme revelação da delatora, a Pepper até chegou a trabalhar para as empresas que se cotizaram para compor o caixa dois da campanha de Pimentel. Danielle ressaltou, no entanto, que os valores foram superfaturados, justamente para criar o excedente necessário ao repasse das propinas. “Quando da sua ida naquelas empresas, a colaboradora e Carolina procuravam as pessoas indicadas por Fernando Pimentel, sendo que nessas ocasiões foram firmados contratos com as empresas indicadas, tendo como objeto a prestação de serviço em web com essas empresas. Tais serviços foram prestados, porém, o valor declarado na nota fiscal era muito superior ao real valor do serviço”, afirmou.

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Carolina exercia marcação sobre pressão quando o assunto era propina. Costumava perguntar a Danielle sobre a entrada dos pagamentos e cobrava diretamente o seu percentual, destinado a bancar despesas estritamente pessoais. “Carolina de Oliveira não recebia em forma de dinheiro, sendo que o repasse dos 50% dos valores eram feitos por meio de pagamento de títulos de contas pessoais de Carolina e de seus familiares (mãe de Carolina), tais como cartão de crédito e parcela de um apartamento de propriedade de Carolina”, explicou. Danielle contou que “sacava dinheiro da conta da Pepper e efetuava o pagamento dos títulos diretamente no banco”. O relato ajudou a PF a entender os documentos apreendidos na busca e apreensão promovida na Pepper que indicavam justamente o pagamento de contas da primeira-dama. Houve também um contrato simulado de consultoria entre a Pepper e uma empresa de Carolina, a Oli Comunicações, para repassar o saldo que ainda faltava.

Em seus depoimentos, Danielle também detalhou atuação ilícita da Pepper em dois outros países: Gana e Congo. No primeiro caso, sua empresa fechou um contrato com o partido NDC nas eleições presidenciais de 2012, mas o pagamento foi feito via caixa dois pela empreiteira brasileira Queiroz Galvão. Na ocasião, o NDC elegeu o presidente do país, John Mahama. Segundo a delação, a Queiroz Galvão pagou US$ 500 mil a uma conta secreta na Suíça de Danielle, em nome de uma empresa offshore. Por ter ajudado no lobby em Gana, Carolina teria recebido R$ 80 mil. Pimentel, na ocasião ministro do Desenvolvimento de Dilma Rousseff, também teve participação importante na operação. Danielle não deixa claro, no entanto, qual o interesse de Pimentel na empreitada, nem se o recurso abasteceu as campanhas petistas. “QUE mostrado o ofício sem número do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, datado de 09 de outubro de 2012 e assinado por FERNANDO DAMATA PIMENTEL (ofício apreendido na empresa PEPPER) e endereçado ao presidente de GANA/ÁFRICA, foi perguntado como tal ofício chegou às mão das colaboradora. Respondeu que recebeu das mãos de FERNANDO DAMATA PIMENTEL para que tal documento fosse entregue para MARCOS ALEXANDRE, diretor da sucursal da QUEIROZ GALVÃO em GANA, o qual deveria entregar para o presidente de GANA; QUE explicou que tal entrega se deu durante uma das reuniões que teve com FERNANDO PIMENTEL e CAROLINA DE OLIVEIRA, sendo que tal ofício serviria para demonstrar que a colaboradora tinha aproximação com integrante do governo brasileiro”, revela o depoimento. O outro caso foi a contratação da Pepper para uma campanha do governo do Congo, em 2012, também por meio de pagamento via caixa dois pela empresa brasileira Asperbras.

As acusações são rebatidas pelas defesas de Pimentel e de sua mulher. O advogado Eugênio Pacelli, que defende o governador, afirmou: “Todas as delações envolvendo políticos repetem o mesmo discurso do caixa dois. Ele não cuidou de nenhum caixa na campanha. Nem aqui nem em Gana ou outra lembrança que venha a ser forjada para o delator se ver livre do cárcere”. Já o advogado Pierpaolo Bottini disse que Carolina está à disposição para esclarecer os fatos e que “as parcerias da jornalista com a Pepper foram pontuais, para projetos específicos, todos regulares e sem contatos com recursos públicos. Jamais foi sócia da empresa”.

Danielle Fonteles também delatou operações da Pepper em Gana e no Congo

Queda-de-braço

Os depoimentos de Danielle foram prestados à Polícia Federal em março e estão sob sigilo no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os trechos que citam a campanha de Dilma fazem parte de um outro anexo, remetido ao Supremo Tribunal Federal. Ainda há, porém, controvérsias sobre se a delação terá validade jurídica, porque ela foi assinada diretamente pela Polícia Federal. O ministro Herman Benjamin, relator da Acrônimo no STJ, chegou a homologar em agosto o acordo de colaboração. A Procuradoria-Geral da República (PGR), porém, foi contrária à homologação, sob o argumento de que a PF não teria competência legal para avalizar delações. Pimentel, enrolado até o último fio do seu cabelo grisalho, está mais do que atento ao desfecho dessa refrega.

O caixa dois de R$ 1,5 milhão da Pepper

Delatora Danielle Fonteles (foto) contou que oficialmente a Pepper recebeu R$ 90 mil. O valor “por fora”, por orientação de Fernando Pimentel, foi bancado por quatro empresas: SETRABH (Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte), que pagou R$ 600 mil, empreiteira Camter, que desembolsou R$ 150 mil, a Construtora Egesa, responsável por R$ 600 mil, e a ECB (Empresa Construtora do Brasil), que transferiu R$ 120 mil

“QUE perguntado sobre como ocorreria o pagamento do trabalho junto à campanha, respondeu que FERNANDO DAMATA PIMENTEL informou que o pagamento ocorreria da seguinte forma: que a colaboradora deveria procurar as empresas SETRABH (Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte) a qual pagaria o valor de R$ 600.000,00, CAMTER (Construções e Empreendimentos S/A), a qual pagaria o valor de R$ 150.000,00, construtora EGESA a qual pagaria o valor de R$ 600.000,00, ECB (Empresa Construtora do Brasil) a qual pagaria o valor de R$ 120.000,00, todos pagamentos destinados para empresa PEPPER em contraprestação ao serviço da campanha; QUE tais empresas efetivaram o pagamento na conta da empresa PEPPER ainda em 2010; QUE explicou que foi pago pelo comitê do candidato FERNANDO PIMENTEL o valor de R$ 90.000 (NF 766 na data 20/08/2010 no valor de 30 mil reais, NF 791 na data de 24/09/2010 no valor de 30 mil reais, NF 792 na data de 24/09/2010 no valor de 30 mil reais). Após ser contratada por Fernando Pimentel para atuar na campanha para senador, conforme orientação deste, se dirigiu para as empresas acima mencionadas para viabilizar o acerto financeiro”

A comissão da primeira-dama

Segundo Daniele Fontelles, Carolina de Oliveira recebia 50% do lucro da Pepper sem prestar nenhum serviço

“50% do lucro de cada contrato firmado com as empresas acima indicadas eram repassados para Carolina de Oliveira Pereira; Que questionada sobre qual o tipo de serviço prestado por Carolina para Pepper para justificar o recebimento daqueles 50%, a colaboradora disse que Carolina de Oliveira não prestava nenhum tipo de serviço para Pepper em contraprestação aos 50% recebido”

As reuniões com Carolina de Oliveira a pedido de Pimentel

A primeira-dama Carolina de Oliveira (foto) participava dos encontros por orientação do governador de Minas, Fernando Pimentel. Para verificar a entrada dos pagamentos e o lucro obtido com os contratos, Carolina procurava Daniele ou sua sócia e solicitava os 50%


“QUE perguntado por que CAROLINA DE OLIVEIRA participava das reuniões junto com a colaboradora perante as empresas indicadas por FERNANDO PIMENTEL responsáveis pelo pagamento da campanha, respondeu que foi em decorrência do pedido de FERNANDO PIMENTEL; que perguntado como foi acertado o percentual de 50% para empresa PEPPER e para CAROLINA resultantes dos contratos acima mencionados, respondeu que após firmado os contratos com aquelas empresas, CAROLINA procurava a colaboradora e/ou KASSIA (sócia financeira da PEPPER) para verificar a entrada dos pagamentos, bem como o lucro de tal contrato, sendo que nessa oportunidade CAROLINA solicitava a colaboradora os 50% que ela entendia fazer jus”

O pagamento de contas pessoais

Propina não era paga em dinheiro, mas por meio de pagamentos de cartões de crédito e parcelas de um imóvel comprado pela primeira-dama. Pagamentos ocorreram em 2011.

53“QUE perguntado a colaboradora como era efetivado o pagamento dos 50% cobrados por CAROLINA DE OLIVEIRA, respondeu que CAROLINA DE OLIVEIRA não recebia em forma de dinheiro, sendo que o repasse dos 50% dos valores eram feitos por meio de pagamento de títulos de contas pessoais de CAROLINA e de seus familiares (mãe de CAROLINA), tais como cartão de crédito e parcela de um apartamento de propriedade de CAROLINA, o qual no momento não sabe precisar; QUE perguntado como era operacionalizado tais pagamentos e quando eles ocorreram, respondeu que a colaboradora sacava dinheiro da conta da PEPPER e efetuava o pagamento dos títulos diretamente no banco, sendo que acredita que tais pagamentos ocorreram em 2011;

 


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