Desde a sua criação na Inglaterra, no início do século XIII, o Tribunal do Júri existe para decidir se quem está sentado no banco dos réus é culpado ou inocente – e isso é feito pelo conselho de sentença formado por cidadãos comuns, não por juízes togados. O julgamento que começa em São Paulo na segunda-feira 28, um dos mais aguardados dos últimos tempos, terá um desenrolar bem diverso. Nele, o que está em jogo não é culpa ou inocência, mas cerca de dez anos a mais ou a menos na condenação da ex-garota de programa e bacharel em direito Elize Araújo Matsunaga, ré no assassinato, esquartejamento e ocultação do corpo de seu marido, Marcos Matsunaga (ele era dono da marca Yoki, vendida para o conglomerado General 500ls que há quatro meses encerrou as suas atividades no País). Elize ouvirá o veredito de culpada, isso é ponto pacífico, até porque confessou a sequência dos crimes. Se prevalecer a tese da acusação sustentada pelo promotor José Carlos Cosenzo, ela deverá receber uma sentença de aproximadamente 28 anos de prisão. Se ganhar a defesa, representada pela advogada Roselle Soglio, a condenação poderá ficar na casa dos 18. Apresenta-se, aqui, tais teses e a aritmética da pena no tribunal.

Onde o júri pega fogo

Nos depoimentos da acusada há uma coleção de contradições. Na noite de 19 de maio de 2012 ela matou Marcos com um tiro na cabeça, no duplex de 500 metros quadrados em que o casal morava em São Paulo. Cortou o cadáver em seis pedaços em um dos quartos de hóspedes (o mesmo que durante bom tempo abrigara uma jiboia), e, no dia seguinte, livrou-se das partes do corpo nas imediações do sítio de um amigo da família. Elize declarou que o som do tiro não foi ouvido no prédio porque os vidros de seu apartamento são à prova de som. Inverdade: Elize valeu-se de um silenciador na arma. Segundo a sua advogada, a ré reagiu à grave ofensa. Mais: o marido ameaçava tirar-lhe a filha. Mais ainda: ele a traía com uma garota de programa. Tecnicamente falando, trata-se de “homicídio privilegiado”, o que implica atenuantes. Ocorre, porém, que ninguém carrega o tempo todo consigo uma pistola com silenciador, esperando receber uma eventual ofensa para dispará-la. Ou seja: Elize atirou porque premeditou o crime. Pela lei, onde há “assassinato premeditado” não pode haver, obviamente, “assassinato privilegiado”.

Em outros pontos contraditórios o júri pegará fogo. Na noite do crime, Marcos descera para apanhar a pizza que o casal chamara pelo delivery. Laudos oficiais mostram que ele foi assassinado quando, ao retornar ao apartamento, sentou-se à mesa da copa. Levou um tiro à queima-roupa, sem a menor chance de se defender, e isso enterra a versão da ofensa. Marcos teria sido, então, executado. Já a perícia realizada pela defesa aponta, por sua vez, que ele teve a possibilidade de tentar se defender, uma vez que o disparo se deu a mais de meio metro de distância. Qual a importância disso tudo, a ponto de centímetros serem medidos? É que se ganhar a tese da execução (a do promotor), fica valendo a qualificadora de “impossibilidade de defesa da vítima”, e já aí a ré verá cerca de cinco anos acrescidos à sua condenação básica (18 anos mais cinco, tem-se 23). Se vencer a argumentação da defesa, a de que Elize disparou de improviso e a longa distância, cai tal qualificadora e a pena por enquanto ficaria em torno dos 18 anos.

O auge do julgamento acontecerá no momento em que promotor e advogada debaterem sobre o esquartejamento. Volta-se, aqui, aos laudos oficiais, e eles constatam que Marcos aspirou sangue quando Elize o decapitou – ele então ainda estaria vivo quando a ré começou a esquartejá-lo. Essa é a qualificadora denominada “meio cruel”: se vingar, serão mais outros cinco anos no veredito, e chega-se aí aos 28 de condenação (incluída a agravante de que Marcos não teve como se proteger). A defesa, baseada também em laudo técnico, sustenta que a aspiração do sangue ocorreu com o impacto do tiro e que ele estava morto quando seu corpo foi despedaçado. A discussão se dará com base nesses pareceres, uma vez que a palavra de Elize não pode ser tomada como verdadeira. Ela reitera, por exemplo, que cortou o corpo sozinha. ISTOÉ mostrou com documentos oficiais que a ré recebeu ajuda de pelo menos uma pessoa do sexo masculino nessa macabra tarefa.

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