A cena poderia ter sido protagonizada por alunos bagunceiros do Ensino Fundamental. Para a vergonha do País, contudo, as personagens eram senadoras da República. Diante da impossibilidade de barrar a aprovação da reforma trabalhista, cinco delas – todas de oposição – recorreram a um subterfúgio no mínimo infantil, ocupando a mesa diretora do plenário do Senado Federal e assim atrasando por quase oito horas a votação da pauta. “Foi uma atitude desesperada e antidemocrática”, classificou o cientista político David Fleischer. Por volta das 11h da da manhã de terça-feira 11, Fátima Bezerra (PT-RN) sentou-se na cadeira da presidência. Acompanhada das senadoras Gleisi Hoffmann (PT-PR), Regina Souza (PT-PI), Vanessa Graziotin (PCdoB-AM) e Lídice da Mata (PSB-BA), abriu a sessão mesmo sem a presença de Eunício Oliveira (PMDB-CE), presidente da Casa. Ao meio-dia, Eunício tentou ocupar seu lugar à mesa. Sem sucesso, pegou o microfone de lapela que estava na roupa de Fátima e ordenou que desligassem o som e as luzes do plenário. “Está encerrada a sessão. Não tem som enquanto eu não sentar à presidência da mesa”, disse. Após a ordem, Fátima até ensaiou levantar da cadeira, mas foi impedida por Gleisi, presidente do PT, que a segurou pelo braço.

Joédson Alves

Na tentativa de resolver o impasse, Eunício de Oliveira convocou uma reunião com líderes de partidos e passou o dia trancado no gabinete da presidência. Enquanto isso, as senadoras não arredaram o pé. Às escuras, fizeram diversos vídeos para as redes sociais e comeram marmita na Mesa, com direito a Fátima Bezerra dando comida na boca de Vanessa Graziotin. Receberam até uma ligação da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) que manifestou apoio à baderna. Mais tarde, a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) também se juntou ao grupo. Só foram deixar o local quase sete horas depois. Não antes sem consultarem Vagner Freitas, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), que falou para elas não recuarem. Porém, com a decisão do presidente do Senado de retomar a sessão de qualquer jeito, os senadores da oposição Paulo Paim (PT-RS), Jorge Viana (PT-AC), Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) e Humberto Costa (PT-PE) convenceram as senadoras de que era hora de partir para outra estratégia. Prepotentes, não se deram por vencidas. “Na medida em que não restou nenhuma alternativa de defender nosso posicionamento, fizemos esse gesto, que é gesto político, democrático e de resistência”, disse Fátima.

“Está encerrada a sessão. Não tem som enquanto eu não sentar à presidência da mesa” Eunício Oliveira, presidente do Senado (Crédito:Marcos Brandão)

“ATITUDE MACHISTA”

Apesar de terem conseguido atrasar a votação, o tiro das senadoras saiu pela culatra. Ainda na terça-feira, o senador José Medeiros (PSD-MT) protocolou, no Conselho de Ética, o pedido de abertura do processo para cassar as cinco parlamentares que ocuparam a mesa, além dos senadores Lindbergh Farias (PT-RJ) e Ângela Portela (PDT-RR). Para Medeiros, os mentores intelectuais do ato foram Lindbergh e José Dirceu, com quem o grupo teria se reunido na noite anterior. Dilma Rousseff também teria ligado para as senadoras. Para o cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasília, a atitude não foi uma decisão das senadoras e sim de homens que se esconderam atrás do grupo. “Foi uma atitude machista. Elas foram manipuladas pelo presidente da CUT também”, afirma Fleischer, para quem a atitude foi negativa a ponto de influenciar outros parlamentares. “A ação delas provavelmente ajudou a mudar o voto de alguns senadores que desaprovaram a ocupação”.

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