Ocupação Aracy Amaral/Itaú Cultural/ até 27/8

Poucos profissionais do campo da arte têm uma vivência e um espectro de pesquisa tão amplos. Aracy Amaral se reconhece, acima de tudo, como pesquisadora, mas sua atuação se diversifica como curadora, professora, historiadora, crítica, gestora, jornalista e… viajante. Talvez o lugar em que todas essas personas se encontrem seja na viagem. É irrestrito o seu conhecimento do Brasil e da América Latina. Sua trajetória profissional começa nos anos 1950 e atravessa o modernismo (com teses de mestrado e doutorado sobre a Semana de 22 e Tarsila do Amaral), o construtivismo e chega à arte contemporânea. Nesse campo, rompe paradigmas com a curadoria do 34º Panorama da Arte Brasileira do MAM-SP (2015), quando escolheu falar da paisagem artística nacional por meio de obras de apenas seis artistas convidados a dialogar com a arte pré-histórica. Pela primeira vez em 60 anos de carreira, ela não é a agente, mas sim o objeto de um projeto curatorial. A vida e a obra de Aracy Amaral são tema da 35ª mostra da série Ocupação, do Itaú Cultural.

Aracy Amaral e Rene d’Harnoncourt, curador do MOMA-NY, na 1ª Bienal de São Paulo, em 1951

A exposição, montada no piso térreo da instituição paulistana, é uma espécie de biografia espacializada. Composta por textos, fotos, entrevistas gravadas, e dividida em quatro eixos — ou capítulos —, que não pretendem inventariar ou dar conta da amplitude da obra, mas sim iluminar aspectos importantes de suas personas. Um dos que saltam aos olhos e ouvidos é sua experiência como comunicadora. Em 1972, Aracy Amaral tinha um programa na rádio Jovem Pan intitulado “Vamos Falar de Arte?”. Ela tinha 2 minutos diários para “falar de artes plásticas para todo mundo entender”, como anunciava a publicidade do programa, reproduzida na Ocupação. A exposição disponibiliza um projeto especial realizado em parceria com o artista francês Fred Forest para o programa, em que a dupla convidava o ouvinte a telefonar e gravar o que lhe desse vontade. Até sua funcionária doméstica entrou no jogo. “A senhora não falou que qualquer um podia participar? Eu liguei no número que estava anunciado, pus o aspirador de pó para funcionar durante um minuto e pronto”, conta Aracy Amaral a IstoÉ. “Outros falavam palavrão, era época da ditadura, outros liam poemas.” O resultado pode ser lido como o que há mais contemporâneo e experimental em arte sonora ou performática.

A Aracy viajante surgiu quando era professora de história da arte na FAU-USP. Seus roteiros começam em um longa viagem pela Colômbia e Equador, fotografando construções que dialogassem com a arquitetura rural paulista. “Fiz uma descoberta que os historiadores da arquitetura não haviam feito. Por isso eles ficaram loucos”, conta. A pesquisa das ligações da arquitetura da América hispânica com São Paulo gerou o livro “A Hispanidade em São Paulo” (1981), que será reeditado pelo Itaú Cultural. A verve de comunicadora continuaria em viagens por toda a América do Sul, estabelecendo redes profissionais com curadores e historiadores, que dariam forma a uma série de projetos de ampliação dos diálogos entre Brasil e América Latina. Entre eles a I Bienal de Arte Latino-americana, em 1978.

Incansável, os 86 anos, Aracy Amaral inaugura em 2 de setembro uma mostra com três ceramistas paraguaias, de origem guarani, na galeria Millan, em São Paulo. “Acho que a arte contemporânea está tão parada, tão sem ar e sem fôlego, que de repente uma baforada de ar faz bem. Como foi aquele meu Panorama”, diz ela.