Enquanto cidadãos do mundo todo acompanhavam em tempo real os desdobramentos de um tiroteio num shopping em Munique, no Sul da Alemanha, na sexta-feira 22, a onipresente chanceler alemã, Angela Merkel, manteve-se reclusa e longe de especulações. O presidente francês, François Hollande, que vem lidando com uma série de atentados recentes em seu território, se antecipou a ela e declarou que o incidente se tratava de um “ataque terrorista repugnante”. Pouco tempo depois, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, prometeu “todo apoio” que a Alemanha precisasse. Foi só no dia seguinte que Merkel apareceu em público e em três minutos passou o recado aos familiares das nove vítimas fatais: “Nós compartilhamos sua dor e sofremos com vocês. O Estado e os serviços de segurança continuarão fazendo de tudo para garantir a proteção e a liberdade de todos.” O tiroteio ocorreu três dias depois que um afegão de 17 anos atacou passageiros de um trem na Bavária e precedeu o ataque de um sírio com um facão em Reutlingen e a explosão de um homem-bomba também sírio num festival de música de Ansbach. A Alemanha, que até então parecia imune ao terrorismo islâmico, passou ao centro das atenções.

HOMEM-BOMBA Policiais vasculham local onde um sírio se explodiu em Ansbach
HOMEM-BOMBA Policiais vasculham local onde um sírio se explodiu em Ansbach (Crédito:Michaela Rehle/REUTERS)

Na quinta-feira 28, a chanceler adiantou a data de uma entrevista coletiva para responder às críticas que vinha sofrendo. “Omissa” e “politicamente correta” foram duas expressões a que Merkel teve que se acostumar na última semana. Para seus opositores, embora nem todos os ataques tenham relação com o extremismo islâmico, eles são resultado da política de acolhimento da chanceler. “A rejeição da postura humanitária que tivemos poderia ter levado a consequências ainda piores”, disse a chefe de Estado. No ano passado, no auge da crise dos refugiados na Europa, a Alemanha facilitou a entrada de mais de 1 milhão de pessoas (sírios, em sua maioria) em busca de asilo. Para implementar a política apelidada de “portas abertas”, Merkel investiu bilhões de euros na integração delas à sociedade alemã. Ao mesmo tempo, o governo tentou instalar um sistema de cotas para dividir o fluxo migratório com outros países europeus. Como esse plano não foi adiante, a chanceler liderou as negociações de um acordo com a Turquia neste ano, o que reduziu consideravelmente a entrada de imigrantes. A atual instabilidade política em Ancara, no entanto, pode colocar tudo a perder. “Eu nunca disse que seria fácil”, disse Merkel, para quem o terrorismo islâmico já está na Alemanha há algum tempo.

Prevenção do terror

Segundo Daniela Schwarzer, diretora do escritório de Berlim do German Marshall Fund of the United States, dois elementos são centrais na explicação de quais países sofrem mais com atentados. O primeiro deles é o engajamento no Oriente Médio e, nesse caso, Washington e Paris têm sido muito mais ativos militarmente do que Berlim. “Além disso, tanto a Bélgica quanto a França têm um número comparativamente alto de imigrantes muçulmanos de segunda geração radicalizados”, disse à ISTOÉ. “Os ataques nesses países mostraram o perigo do terrorismo doméstico, mas esse não é um problema para a Alemanha, por enquanto.” Além disso, a ação preventiva dos serviços de inteligência impediu que o terror se espalhasse pelo país. Segundo o ministro do Interior, Thomas de Maizière, a polícia investiga atualmente 708 casos ligados ao extremismo islâmico, que envolvem 1.029 suspeitos.

“A reação tanto de políticos como do público geral tem sido calma e sensata”, afirma Frank Decker, professor de Ciência Política da Universidade de Bonn, na Alemanha. “Mas é claro que o sentimento de que a vida ficou mais insegura e precária terá impacto nas próximas eleições e será explorado pelos populistas da direita.” O principal representante dessa corrente, Alternativa para a Alemanha, se aproveitou do momento para pedir a renúncia de Merkel. Sua voz, no entanto, permanece solitária. Para a insatisfação da direita, os eleitores podem não concordar com a política migratória, mas continuam gostando da chanceler.