SÃO PAULO, 19 SET (ANSA) – Andre Lajst** – Nesta semana, o movimento radical islâmico Hamas, que domina a Faixa de Gaza desde 2007, emitiu um comunicado abdicando do controle civil e oferecendo à Autoridade Palestina a possibilidade de voltar a controlar o enclave.   

A relação entre Hamas e a Autoridade Palestina (o governo legítimo e internacionalmente reconhecido dos palestinos) sempre foi difícil. Em 2007, em uma ação reconhecida como golpe de Estado, o Hamas expulsou e matou centenas de membros do Fatah, partido do presidente palestino, Mahmoud Abbas, e se estabeleceu como o controlador de facto da Faixa de Gaza. Desde então, o território é palco de brutalidades por parte do grupo radical, que aplica uma versão extremista religiosa para controlar a população, brigas entre grupos opositores ao Hamas, como o Estado Islâmico ou a Jihad Islâmica, que, apesar de também serem grupos terroristas como o Hamas, se diferenciam em estratégias e ideologias. Por parte de Israel, a Faixa de Gaza está sob bloqueio marítimo, uma vez que o Hamas é um governo beligerante e não reconhece o direito de Israel de existir.   

O Hamas não é a favor de uma solução de dois Estados para o conflito palestino-israelense nem não aceita negociar com Israel. Já travou 3 guerras contra o país e, nelas, perdeu milhares de homens e poderio bélico. A crise econômica em Gaza se agrava e, depois da troca de governo no Egito para o atual presidente Al-Sisi, a situação do Hamas começou a piorar. O grupo mantinha túneis de contrabando de armas e produtos, que geravam uma grande fonte de renda, entre a Faixa de Gaza e o Egito. Recentemente o Exército egípcio inundou todos os túneis, prejudicando diretamente a receita do Hamas. Além disso, o Hamas entrou em uma crise sem precedentes com a Autoridade Palestina na Cisjordânia, o que causou um boicote palestino contra o governo em Gaza. Sem transferência de fundos para pagamentos de salários, o Hamas sucumbiu. Dentro deste cenário, o Hamas optou por uma saída estratégica.   

Se tornar um “Hezbollah” na Faixa de Gaza. Isso significa que o grupo não quer mais controlar os serviços civis, como esgoto, escolas, eletricidade etc. Assim como o grupo terrorista Hezbollah no Líbano, o Hamas prefere se concentrar na construção de seu poder militar e sua força para lutar contra Israel do que ser responsável pela população civil. Para isso, um alto representante do Hamas se encontrou com Hassan Nassrallah, o secretário geral do Hezbollah em Beirute, no Líbano, e nesta reunião, com benção do governo iraniano, o Hamas recebeu diretrizes e conselhos de como se tornar uma organização mais poderosa e mais efetiva. O Hezbollah está servindo de espelho de modelo para o Hamas. Seguindo esta linha de raciocínio, o Hamas abriu mão de 10 anos de governo forçado na Faixa de Gaza para a Autoridade Palestina, mas isso não será simples. O grupo não abrirá mão da segurança armada interna de Gaza, nem da estrutura de segurança que implementou há uma década em Gaza. Ao contrário. A oferta que o Hamas fez ao presidente Palestino é de assumir o controle do governo civil, porém não de segurança, o que deixará Abbas em uma situação difícil e complexa. Por um lado, Abbas precisa assumir responsabilidade diante da população civil. Por outro, será rebaixado a governador sem poderes de uso da força, caso seja necessário. Israel vê este movimento como mais uma estratégia do grupo radical de manter seu poderio militar, aumentar seu poder de sobrevivência e evitar que seja vencido em urnas ou no campo de batalha. Neste jogo de interesses na política palestina, os perdedores são a população civil palestina e o processo de paz, que fica mais complexo ainda, onde um grupo terrorista reina livremente. **Andre Lajst é cientista político e diretor executivo do Instituto Brasil-Israel. (ANSA)


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