OMISSÃO Universidade de São Paulo abriu sindicância para apurar três denúncias de estupro contra Daniel Cardoso, aluno do curso de Medicina
OMISSÃO Universidade de São Paulo abriu sindicância para apurar três denúncias de estupro contra Daniel Cardoso, aluno do curso de Medicina

O nome de Daniel Tarciso da Silva Cardoso é citado publicamente na edição do Diário da Justiça de São Paulo do dia 26 de agosto de 2015 como réu “em lugar incerto e não sabido” intimado para se defender de uma acusação. Segundo o relato da estudante de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP) que o denunciou, durante uma festa da Faculdade de Medicina em 2012, Cardoso, aluno do curso, sugeriu que ela usasse o banheiro do apartamento dele na Casa do Estudante. O depoimento segue com a descrição de um estupro. “Os sentidos de K. já não identificavam o ambiente e o que se passava, e a jovem adormeceu, acordando com o denunciado em cima dela. Gritou para que parasse com a penetração não consentida, mas o denunciado constrangeu-a, mediante violência, a com ela ter conjunção carnal, segurando-a fortemente pelos seus braços.” Por essa denúncia, o estudante foi acusado pelo Ministério Público e responde a um processo que corre em segredo de Justiça. Há outro inquérito em curso, de outra vítima, por acusação similar. À USP, chegou mais uma denúncia, além dessas duas.

Revolta acadêmica

Cardoso também foi citado em uma CPI da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), que em 2014 apurou abusos sexuais nas universidades. Na época, outras três mulheres afirmaram ter sido violentadas por ele. O jovem foi suspenso por seis meses e, na sequência, por mais um ano, por “infração disciplinar”, sendo impedido de se formar. No final de outubro de 2016, porém, colou grau e está prestes a receber o registro de médico. “Sentimos uma indignação absurda. Mesmo com três denúncias protocoladas, a USP tirou o corpo fora”, afirma a estudante de Medicina Renata Mencacci, 21 anos, que acompanha os casos. Em poucas semanas, um homem acusado de cometer estupros poderá atender como médico, tendo como chancela o diploma da mais conceituada faculdade de medicina do País.

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A USP tem sido duramente criticada por sua conduta. Um grupo de professoras e pesquisadoras redigiu uma nota pública afirmando que a omissão da instituição é justificada pelo receio de se cometer injustiça com o possível agressor, mas, ao mesmo tempo, ela não teme cometer injustiça com as possíveis vítimas. “O que compromete mais o nome da faculdade: revelar tais casos ou proteger quem cometeu uma agressão?”, diz a nota, assinada pela Rede Não Cala. Procurada para comentar o caso, a USP afirma que o processo de sindicância é sigiloso e que não pode acessá-lo. Advogado do estudante, Daniel Alberto Casagrande afirma que o rapaz é inocente, que as três apurações da faculdade não concluíram pelo estupro e nenhuma autoridade policial ou judicial emitiu qualquer parecer ou decisão. O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) diz não ter ingerência sobre a concessão de diploma, mas está atento à questão por ser de interesse da sociedade e tem discutido a situação em plenária para, em breve, divulgar uma posição. A USP faz parte do rol de universidades de renome mundial que enfrentam denúncias ao mesmo tempo que tentam abafar polêmicas. O assunto foi tema do livro “Missoula: o Estupro e o Sistema Judicial em uma Cidade Universitária”, em que o autor Jon Krakauer relata as centenas de crimes de violência sexual praticados em Missoula, a maioria cometidos por estudantes que de alguma maneira foram protegidos pelas instituições, enquanto que sob a palavra das vítimas pairava a desconfiança. Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência.

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Fotos: Rubens Cavallari/Folhapress