“Eu não sabia quem era a pessoa analisada quando estava fazendo a reconstrução”, Cícero Moraes, especialista em reconstrução facial (Crédito:Divulgação)

Sinônimo de grandeza e mistério, o Egito talvez seja a sociedade mais enigmática da humanidade. Como as famosas Pirâmides foram erguidas? Onde está o sarcófago da rainha Cleópatra? Ninguém sabe, pelo menos até agora, e qualquer nova evidência causa um enorme alvoroço na comunidade científica. É o caso de um estudo feito com a múmia KV55, encontrada no Vale dos Reis em 1907 e que pode ser do lendário faraó Aquenáton, pai de Tutancâmon, marido da rainha Nefertiti e um dos mais controversos governantes egípcios. De acordo com a equipe de arqueólogos do Centro de Pesquisa de Antropologia Forense, Paleopatologia e Bioarqueologia (FAPAB), da Sicília, Itália, o esqueleto da KV55 despertou curiosidade porque estava em um local repleto de tumbas nobres e a poucos metros de distância do sarcófago de Tutancâmon. Inicialmente acreditava-se que a múmia era do sexo feminino, no entanto, mais tarde, após testes, a hipótese foi descartada. Agora, baseados em uma reconstrução facial inédita, feita com base em registros históricos do faraó, como estátuas e pinturas, os especialistas acreditam que a KV55 é o faraó. “Eventualmente uma nova análise genética dos restos mortais da KV55 pode adicionar mais evidências”, disse Michael Habicht, pesquisador que faz parte do estudo, via comunicado.

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SEMELHANÇA A identificação é feita com base nas dimensões do crânio (Crédito:Divulgação)

Para o brasileiro Cícero Moraes, responsável pelo projeto de reconstrução facial, mesmo que o trabalho inédito seja o mais perto que já se chegou de descobrir o paradeiro do pai de Tutancâmon, é preciso ter cautela antes de tirar conclusões. “Embora a reconstrução facial seja bem avançada, é diferente da identificação por DNA. Só ela é totalmente precisa”, disse à ISTOE. O valor histórico de Aquenáton é imenso. O faraó governou o Egito por 17 anos, e desde 1353 a.C, período que assumiu o trono, estava decidido a causar grandes mudanças, sobretudo na religião. Ele foi contra as doutrinas politeístas e exigiu que apenas o deus Aton, o criador de todos, fosse adorado pelos egípcios. Com o gesto, o soberano estava mudando um sistema religioso milenar, fato visto como uma heresia por sacerdotes e fiéis. Segundo o egiptólogo Moacir Elias Santos, mesmo que Aquenáton quisesse extinguir a adoração de todos os deuses que não fossem Aton, ele não instaurou um regime monoteísta como muitos pensam. “Os faraós eram considerados deuses, ele se via assim e também considerava Nefertiti uma deusa, além de Aton, é claro”, diz. “Isso fez com que o regime se mantivesse politeísta.”

Fascinado por Aton, que era ligado ao sol, o faraó construiu uma cidade do zero e a nomeou como “Amarna” a nova capital do Egito. Na tentativa de provar sua grandeza, ordenou que praticamente todas as imagens de entidades egípcias fossem destruídas. Porém, mesmo com sua censura, a população continuava adorando outros deuses. Para historiadores, sua maneira de governar causou a ruína do império e a revolta dos sacerdotes, apontados como mandantes de seu assassinato. Sua morte trouxe uma onda de manifestações jamais vistas no Egito. A população queria apagar sua memória. Diversos templos construídos em sua homenagem tiveram suas gravuras riscadas, estátuas e registros históricos foram destruídos.

Apagado da história

PERSEGUIÇÃO Aquenáton governou por 17 anos e teve sua história quase apagada (Crédito:Divulgação)
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A transição do governo de Aquenáton também é repleta de mistérios. Sem ele no poder, o Egito passou um curto período de crise até que uma figura misteriosa assumisse: Semencaré. O substituto reinou por dois anos e cedeu o lugar a Tutancâmon, condecorado faraó aos oito anos. Especialistas acreditam que Semencaré na verdade era Nefertiti disfarçada. Mesmo não sendo a mãe de Tutancâmon, ela teve de garantir que ele assumisse o trono para manter as tradições vivas. Um dos principais feitos do jovem foi abolir as punições contra quem adorasse outros deuses. Mesmo que a reconstrução facial seja a pista mais intrigante recuperada pelos arqueólogos até agora, apenas os exames de DNA e a datação de carbono irão comprovar o parentesco entre a múmia KV55 e Tutancâmon. Os resultados do estudo sairão em alguns meses. E um grande mistério pode ser solucionado.