Um esqueleto de sugere ser uma serpente metálica gigante se enreda a 17,5 metros de altura em 305 contêineres de metal empilhados. Ao final de sua cauda, há um chapéu de Napoleão. A obra de arte que causa mais polêmica na temporada de primavera em Paris é uma peça do artista plástico chinês Huang Yong Ping, um dos mais importantes do mundo na atualidade. Sua peça é destaque da exposição Monumenta 2016, que abriu as portas no Grand Palais, na capital francesa, e propõe uma reflexão crítica sobre os rumos da globalização – paradoxalmente feita no momento em que a França mais se abre ao liberalismo.

A instalação recebeu o nome de Empires (Impérios) e ocupará até 18 de junho todo o vão livre do espaço art nouveau de 13,5 mil metros quadrados de pedra, ferro e vidros do Grand Palais. Trata-se do destaque da sétima edição do ciclo Monumenta, iniciado em 2007, e que ganha a cada ano visibilidade com uma obra monumental instalada no coração de Paris. Em 2016, o destaque foi dado a Yong Ping, artista dissidente do regime comunista chinês e radicado em Paris.

Seu trabalho tem a monumentalidade exigida pela exposição: as pilhas de contêineres – que são reais – são idênticas às encontradas em portos em qualquer lugar do mundo. São 67 toneladas de metal “amarradas” pela serpente de 254 metros de comprimento, vertebrada em 316 segmentos feitos em alumínio. Só essa estrutura, a parte mais impressionante da obra, pesa outras 133 toneladas. Soma-se a isso tudo um chapéu de Napoleão 1º, a “bigorne”, de 12 metros de extensão por 5,5 de altura. Trata-se de uma referência à batalha de Eylau, de 1807, em que mais de 33 mil soldados franceses e russos morreram ou saíram feridos na disputa pelo poder.

A pergunta que muitos visitantes se fazem é: onde está o sentido desse trabalho?

O artista explica: “Essa instalação é antes de mais nada a história de um chapéu. Ele coloca em movimento a roda do mundo, das glórias, dos fracassos, dos impérios que se sucedem e que são todos ligados a esse couvre-chef. Mas ele é vazio”.

Yong Ping interpreta os contêineres como símbolos de uma globalização marcada pela liberalização dos mercados, pela intensificação do comércio e por tudo que vem junto: exploração da mão de obra, poluição, etc. A serpente pode ser interpretada como a sedução do consumo e dos bens materiais, enquanto o chapéu de Napoleão é uma referência à vontade de poder, à megalomania irracional. Traduzindo: a globalização e o consumo que tanto seduzem são a nova forma de imperialismo do mundo contemporâneo.

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“A obra de Huang Yong Ping é uma alegoria sobre a sucessão dos poderes que passam de mão em mão, de um país a um império, a uma indústria. O artista plástico desenha um mapa mundi com Napoleão 1º como imperador simbólico”, explica Jean De Loisy, curador do Museu Nacional de Arte Moderna – Centro Pompidou e da exposição em cartaz. “O império contemporâneo é econômico. No entanto, ele está à beira da queda. A serpente mostra este equilíbrio precário.”

Em uma França que costumava chamar “globalização” de “mundialização”, de forma a demarcar a diferença e propor uma dose extra de “igualitarismo” e de “solidariedade”, a peça de Yong Ping teria um apelo fácil e arrancaria elogios rasgados há 10 anos. Ocorre que o país passa por uma rápida – tumultuada e violenta – transformação sociopolítica e econômica. Cada vez mais franceses parecem aderir à ideia da globalização e da integração, o que aliás vem gerando um efeito adverso: a reação barulhenta e até violenta da extrema direita e da extrema esquerda.

Para Yong Ping, o resultado é a controvérsia. A geração que cresceu ouvindo a fina crítica sociológica e filosófica aos excessos do consumo aplaude sua visão crítica do mundo globalizado. Outra, que adere e celebra a globalização, se pergunta se sua metáfora do mundo contemporâneo não é banal demais ou anacrônica.

Há ainda aqueles que se perguntam se a repetição da serpente, já vista em obra do mesmo artista plástico, Tower Snake, de 2009, é uma autorreferência charmosa e indício de um universo próprio criado por Yong Ping, ou só falta de imaginação mesmo. Também há quem se pergunte se o logotipo que estampa os contêineres, da companhia marítima francesa CMA CGM, patrocinadora da obra, representa uma ironia subversiva e cortante ao próprio mecenas ou apenas um merchandising descarado, vulgar e inconveniente. Talvez esteja na dúvida o verdadeiro quê monumental do trabalho de Yong Ping: não há resposta certa para cada pergunta.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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