Quando John chegou em casa, às 11h30 da noite,
ao contrário de todos os dias, a cozinha no final do corredor estava apagada.
Sua mãe, que sempre o esperava chegar da faculdade com hambúrguer e fritas, naquela noite estava na sala.
A imagem foi chocante para John, por mais que tivesse aprendido a esperar de tudo, vindo de sua mãe.
A sala iluminada apenas pelo intenso azul que vinha da tevê.
Beth, sentada no chão, tocava a tela com a ponta dos dedos, aos prantos.
Num volume bem acima do aceitável, assistia ao discurso
de despedida de Obama.
– Mãe! Mas o que é isso?! – John largou a mochila e correu
em sua direção.
A mãe não respondeu.
Apenas gemeu desolada e assoou o choro.
Carinhoso, acompanhou a mãe até o sofá.
– O que aconteceu, mãe, pelo amor de Deus?
Beth fungou desolada e respondeu:
– É o Obama, Jonny. Ele está se despedindo de nós.
– Mãe…por favor…que susto!
– Susto? Não, filho. É dor. Muita dor.
– Mãe… para com isso. Quantas vezes eu vou ter que dizer: a gente é brasileiro!
A frase do filho fez Beth erguer a cabeça lentamente.
– Você pode ser brasileiro. Eu sou americana – soletrou por entre os dentes serrados.
Na verdade John estava certo.
Beth é brasileira, de Pindamonhangaba.
Filha de militar, cresceu patriota.
Nos anos 70 tinha adesivo da ARENA na janela do quarto.
Participou de passeatas contra as Diretas Já porque brasileiro não sabe votar.
Votou no Collor.
Se desesperou quando Lula ganhou a primeira eleição.
Mas foi quando ele se reelegeu que ela realmente desandou.
Decidiu abandonar o Brasil e morar em Miami.
Só faltou o dinheiro.
Divorciada, marido cafajeste, filho único para educar,
se contentou em transformar sua casa num pedacinho
dos EUA.
Aprendeu a fazer brownies; mudou a cidade do Facebook para Madison; assinou o “The New York Times”; assistia filmes sem legenda na HBO para tentar aprender inglês.
O filho foi vendo, preocupado, a transformação da mãe.
Mas se recusava a admitir o óbvio.
De um ano para cá, começou a notar que a mãe falava com um certo sotaque e que encaixava frases em inglês no meio do diálogo:
– Delicia o hambúrguer, mãe.
– More fries, darling?
A verdade é que João (esse era seu nome verdadeiro) nunca tinha visto Vanusa (o nome real da mãe) naquele estado.
Desligou a televisão e foi pegar água com açúcar.
Sentou-se ao lado da mãe e tentou, mais uma vez,
dissuadi-la:
– Mãe, você precisa parar com essa mania de achar que
é americana.
Vanusa olhava o filho através do copo enquanto bebia a água com açúcar com as mãos trêmulas.
– A senhora é uma mulher inteligente…
Esperou a frase assentar na cabeça da mãe e continuou:
– O Brasil está mudando…o presidente agora é o Temer,
que a senhora gostava tanto…
A mãe não reagiu.
– A senhora acha que pode parar com isso? Eu ajudo! Vamos aproveitar que o Trump vem aí e jogar fora esses cartazes, essas fotos da Michele… A gente pode fazer isso?
Vanusa deu um longo beijo na testa do filho e justo quando ele achava que a tinha convencido, ela gritou:
– YES, WE CAN! – levantou num salto e foi fazer
o hambúrguer.
João fechou os olhos decepcionado.
Era mesmo caso de internação, lamentou.

Desesperou-se quando Lula ganhou a primeira eleição. Mas foi quando ele se reelegeu que ela realmente desandou.Decidiu abandonar o Brasil e morar em Miami. Só faltou o dinheiro