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Alemanha, 9/11/2009 Peças gigantes de dominó vão ao chão e refazem o antigo traçado do Muro

A última grande fronteira da Guerra Fria tem quatro mil metros de largura, 245 quilômetros de extensão e separa a capitalista República da Coreia da comunista República Popular da Coreia, no leste da Ásia. Enquanto o mundo comemorava os 20 anos da queda do Muro de Berlim na semana passada, a cerca de arame farpado estabelecida sob cessar-fogo em 1953 ficou repleta de pedidos de reunificação das duas Coreias.

Dos dois lados da barreira, porém, mais de um milhão de soldados mantiveram-se impassíveis na defesa dos territórios. Manifestações similares ocorreram ao mesmo tempo em pelo menos dois outros pontos: na fronteira dos Estados Unidos com o México e na de Israel com a Palestina. Sejam construídos com concreto, delimitados por arame ou por equipamentos virtuais, muros continuam a separar países e povos em todo o mundo.

São, ao todo, 7.500 quilômetros de barreiras intransponíveis, que representam 3% das fronteiras  terrestres, e podem chegar a 18 mil quilômetros quando todas as obras forem concluídas, segundo levantamento do geógrafo e diplomata francês Michel Foucher, autor de “L’Obsession de Frontières” (A Obsessão das Fronteiras, em tradução livre).

Foucher costuma repetir que, enquanto a fronteira simboliza a existência do outro, o muro representa sua negação. “O Muro de Berlim impedia de sair, as cercas americanas impedem de entrar e o muro israelense interdita a ação”, compara o geógrafo. “Mas, por trás destas funções, há sempre a negação do outro.”

No caso das Coreias, existe a tensão adicional entre dois países que interromperam uma guerra fratricida sem assinar nenhum tratado de paz. Mais de 50 anos após o fim do conflito, o clima de beligerância continua. Na quinta-feira 12, a Coreia do Norte, como é conhecido o país comandado pelo regime comunista de Kim Jong-il, culpou sua vizinha capitalista por um tiroteio entre embarcações ocorrido em alto-mar dois dias antes.

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Fronteira das duas Coreias, 9/11/2009
Apelos pela reunificação na barreira que separa os dois países

Em terra, a chamada Zona Desmilitarizada da Coreia é, na verdade, uma das regiões do mundo com maior concentração de armamento. A inviolabilidade da fronteira, porém, pode ser aparente.

“Assim como a queda do Muro de Berlim pegou os alemães com a guarda baixa, a queda da fronteira pode surpreender os sul-coreanos”, alertou em editorial o “Korean Herald”, fazendo referência à fragilidade da saúde de Jong-il, há quase 25 anos no poder.

As previsões de derrubada de barreiras na Ásia, no entanto, não afetam a disposição de países empenhados em levantar muros como alternativa de proteção.

No Oriente Médio, Israel constrói desde 2002 um muro com até oito metros de altura para separar o país da Cisjordânia, sob o argumento de bloquear a entrada no país de terroristas palestinos. Mais da metade da barreira de cerca de 700 quilômetros – chamada por Israel de “Parede de Segurança” – está concluída.

Batizada no lado oposto como “Muro de Apartheid”, a construção tem um problema extra: avança sobre território palestino. Pelo traçado do projeto, apenas 20% da obra, quando concluída, terá seguido a demarcação reconhecida internacionalmente como fronteira entre Israel e Cisjordânia, que foi estabelecida no armistício de 1948.

FUTURO CERCADO
Quando todas as obras terminarem, os muros somarão 18 mil quilômetros

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Cisjordânia, 9/11/2009 Palestinos reivindicam a derrubada da parede
de oito metros de altura erguida por Israel

Com 3,2 mil quilômetros de extensão, a fronteira entre os Estados Unidos e o México também virou cenário para uma construção que, em alguns pontos, atinge cinco metros de altura e é reforçada por cercas de arame. Em outros lugares, está equipada com uma série de equipamentos tecnológicos, como detectores infravermelhos e sensores de terra. Nessa parte do mundo, não há hostilidades entre os países fronteiriços.

Levantar o muro foi uma decisão americana no começo dos anos 1990, para impedir a entrada de imigrantes ilegaisno país. Em tempos de crise econômica, os Estados Unidos já não representam tanto a terra das oportunidades, mas milhares de famílias continuam separadas pela barreira.

De tempos em tempos, elas se reencontram, conversando através de frestas. E persistem as tentativas de burlar o esquema de segurança. Pelos registros da Comissão Nacional de Direitos Humanos do México, nos últimos 15 anos cerca de 5,6 pessoas morreram tentando cruzar a fronteira, a maioria delas por causa das altas temperaturas do deserto.

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Outra região inóspita – a fronteira da Índia com o Paquistão – é separada por fortificações e cercas de arame por mais da metade de seus 2,9 mil quilômetros de extensão. Considerada uma das fronteiras mais tensas do mundo, tem a segurança reforçada por campos minados nas proximidades da região da Caxemira, que é disputada pela Índia e o Paquistão desde o fim da colonização britânica, em 1947. Parte da Caxemira, aliás, foi anexada em 1962 pela China, a precursora na iniciativa de se defender por meio de barreira física, ainda no século III a.C. À época, para impedir a invasão de guerreiros tártaros e mongóis, o país ergueu em pedra, areia e tijolos, por seis mil quilômetros, a célebre Muralha da China.

Com argumentos similares – proteção contra adversários e bloqueio da imigração ilegal –, pelo menos outros sete países convivem com muros em suas fronteiras (leia quadro), embora não haja concreto suficiente para alterar o curso da história, como bem demonstrou a queda do Muro de Berlim. Construído por determinação do então líder da União Soviética (URSS), Josef Stálin, o muro dividiu por 28 anos a Alemanha em dois blocos: a República Democrática da Alemanha, que girava em torno do regime socialista da URSS, e a República Federal da Alemanha, alinhada com o mundo capitalista. Com 155 quilômetros de extensão, 302 torres e observação, barreiras de concreto
e cercas metálicas eletrificadas, o muro transformou Berlim Ocidental em um enclave capitalista em território socialista. Começou a ser erguido sem aviso prévio, na madrugada de 13 de agosto de 1961, ano em que registravam- se diariamente cerca de duas mil fugas do bloco socialista.

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REENCONTRO Famílias mexicanas divididas por grades
na fronteira com os Estados Unidos

Quase três décadas depois, Erich Honecker, então líder da Alemanha Oriental, começou 1989 assegurando que a estrutura não seria abalada pelos movimentos a favor da democracia que sacudiam o Leste Europeu desde a criação do sindicato independente Solidariedade, na Polônia, em 1980.

“O muro ainda existirá em 50 ou 100 anos, enquanto não forem superados os motivos que levaram à sua construção”, garantiu Honecker. Em 9 de novembro do mesmo ano, o muro foi abaixo, também sem aviso prévio nem nota oficial. Na semana passada, coube ao antigo líder do Solidariedade, Lech Walesa, mais tarde presidente da Polônia, derrubar a primeira peça dodominó gigante que caiu em sequência, refazendo o antigo traçado do Muro de Berlim.